dois poemas de Alessandra Martins

capa_sankofarespeite as mina preta

Sou vista há mais de 500 anos
como só corpo, só prazer.
Ela é branca pra casar,
eu mulher preta
pra escondido comer.

Preto, sei que a igualdade racial
não chegou pra mim nem pra você,
mas por eu ser mulher preta aumentam
mais ainda os paranauê.

Se põe no meu lugar, pra você ver.

Tive quinze filhos,
sofria dentro de casa,
enquanto meu marido
por aí batia as asa.
Me traía, violentava e
ainda me xingava.

Maldita sociedade — só maldade.
Quanto maior a melanina,
mais se aumenta a solidão.
É solidão…
porque parece que só sirvo
para lavar suas roupas,
fazer sua comida,
ser comida,
limpar seu chão.

Meu beiço, meu nariz,
meu cabelo
te incomoda?
Na primeira oportunidade
me troca
por uma padrãozinho,
na moda.

Ascensão, high society,
crescimento profissional.
Não quer uma preta do lado,
pois pode pegar mal.

Não sou de confusão.
Não vim para arrumar “treta.”
Mas estou aqui para dizer.
Respeite as mina!
Respeite as mina preta!

orgulho negro

Tenho orgulho de mim,
deixei de ser prego,
agora sou marreta,
pois já senti o que é ser
rejeitada,
cuspida, negada, maltratada.
Somente por ser preta.

Tenho orgulho da minha pele,
da minha carapinha.
Do afro que uso, dos meus
traços marcantes.
Minhas origens espetaculares,
dos colares, turbantes.

Tenho orgulho dos
guerreiros, dos sábios,
rainhas e reis verdadeiros.
Das minhas tranças,
das crenças,
das danças, comidas
e extravagâncias.

Tenho orgulho da minha raça,
da luta do meu povo.
Da liberdade conquistada,
da briga pela igualdade,
da insistência, resistência.
Do ontem lembrado
com tristeza, mas com orgulho.

Resistiram e chegaram
Vivos ao cais.
Tenho orgulho da esperança,
Força e coragem
que tiveram
meus ancestrais.
Orgulho Negro!

| poemas do livro Voa, Sankofa, voa! (Chiado Books, 2021), disponível no [link]. |

Alessandra Martins é natural de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. É poeta, educadora e autora do livro Voa, Sankofa, voa!, publicado pela Chiado Books, em que usa a literatura marginal para denunciar o genocídio da população negra, a falsa democracia racial brasileira e os estigmas e estereótipos que são postos sobre o corpo negro em diáspora africana. No entanto, juntamente apresenta a exaltação da beleza negra, do orgulho e o regaste da ancestralidade.