dueto
o vento zomba da carne
espanca a pele e a anca
rasga à navalha a pelanca
o vento zumbe na cara
e esbraveja no ouvido
esfarrapa à farpa a entranha
vento e ventre a grunhir
vazando a víscera vazia
a fome e a noite fria
um uivo
ah, essa coisa de fazer poesia
e trazer tantos lobos para fora do covil
e lobas, todas no cio,
e tantos e tantos vazios
ah, essa coisa vã que é fazer poesia
e que não fala, uiva
e chora e sangra
estrangeira e nativa
numa ilha igual a todas as outras ilhas…
ah, essa coisa inútil que é fazer poesia
e ser um desnudamento tão íntimo
que de tão íntimo desnudamento
é igual em todos os falantes
ah, coisa inevitável
que é fazer poesia
as Mulheres e suas Crianças
desbravando o estreito do tempo
Elas ficam prenhes
não só de filhos
não só de amores
prenhes de sonhos
e de perpetuação
na barriga nascem cidades
as leis e seus reis
não há outro meio à força motriz
da barriga nasce a história
nasce toda a gente
nasce um país
o futuro é umbilical
seio e noite insone
em ladeiras pedregosas
caminham as Mulheres
suas Crianças a tiracolo
por ladeiras pedregosas
fogem dos algozes
as Mulheres e suas Crianças
Carolina Rieger nasceu em São Paulo, capital, e mora em Osasco. Formada em Filosofia pela USP, mestra e doutoranda em História da Educação pela PUC-SP. Publicou Irmãos Koch, think tank, coletivos juvenis — a atuação da rede libertariana sobre a educação (Edições 70, Editora Almedina, 2021). Publicou poemas e contos em coletâneas, fanzines e revistas. Seu primeiro solo de poemas é Carnaval (Editora Patuá, 2017), que lhe rendeu uma colocação entre os 10 finalistas do Prêmio Guarulhos de Literatura 2018. Em 2019, ficou em 3º lugar no mesmo prêmio. Está com seu próximo livro, De temer a morte, pela Caravana Editorial, no prelo. Estes três poemas são dele.