Entrara na empresa. Estava feliz. Não era mal paga. Era a mais nova dos trabalhadores.
Foi apresentada ao chefe.
Já devia ter os seus cinquenta anos. A barriga consistente abria-se à medida que os cabelos ralos mostravam a careca oblonga.
Maria queria fazer tudo bem.
O chefe exigia que ela ficasse a trabalhar com ele no fim do expediente.
Ela achava natural, apesar de cansativo.
Começou por lhe fazer perguntas pessoais.
Ela, tímida, não abria jogo.
Respondia com um sim.
Depois pretendia levá-la a casa.
Mentia, dizendo que tinha carro.
Um dia quase que a obrigou a comer qualquer coisa num bar após o trabalho.
No local, cheio de gente, colocou uma perna junto das delas. Apalpou-a.
Maria, incomodada.
Não sabia o que fazer.
Confidenciou com a maior amiga.
Ela referenciou o assédio.
Maria não queria perder o emprego.
Começou a reagir mal quando ia para o trabalho.
O chefe, sempre de olho nela.
Os restantes colegas riam-se devagar.
Não havia solidariedade.
*
Chegara mais um fim de tarde.
Ela pediu ao chefe para ir a uma consulta.
Ele disse que a acompanhava.
Maria abordou o constrangimento de tal situação.
— Eu sou o teu maior amigo — respondeu a arfar.
Ela saiu sem se despedir.
Estava nos limites do desespero.
Pediu a um amigo que aparecesse no escritório para se passar por namorado.
Rui assim fez.
O chefe olhou-o com desdém.
Chamou-o.
— Quanto queres para deixares de namorar com ela?
— O quê?
— Sim. Diz uma quantia.
— Nunca.
— E se eu te der 20.000 euros, pode ser?
— Bem… Não sei. é muito dinheiro.
— Dá-me o teu IBAN.
— Ok.
*
Maria perguntara a Rui como tinha sido.
Ele esquivava-se.
Ia para o trabalho exausta, em risco.
Estava tão frágil que deixara de comer.
O chefe ordenou levá-la a um hospital.
Ela trémula, aceitou, chorando para dentro.
Levou-a para um apartamento sujo e esconso.
Serviu-lhe um whisky.
Ela negou a bebida.
Pegou nela e pô-la na cama.
Ela colocou-se em posição umbilical.
Um outro homem entrara no apartamento.
Pareciam discutir.
Passado um bom bocado despiram-na abruptamente.
Sem alívio, sofreu violações várias.
Sentia-se morta, com dores.
Depois, levaram-na para um sítio ermo. Sem nada.
E aí a deixaram de qualquer maneira.
Nem sequer tinha uma identificação.
As feridas alojavam-se no corpo, na alma, nas vísceras.
Para ali ficou.
Nunca mais se lembrou de nada.
Cecília Barreira é professora de Cultura Portuguesa Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa. Autora de poesia, ensaio e conto. Pertence ao PEN Club português. Em 2021, publicou o livro de contos Sangue Suor Lágrimas. Também de poesia, Incêndio, da Poética Edições. Publica regularmente recensões críticas e ensaio em várias revistas.