27 pássaros, poema inédito de Moema Vilela

minha amiga faz origamis
do outro lado do telefone
ela está no vigésimo sétimo pássaro
eu, no quarto dia sem fumar
numa casa sem eletricidade
estamos fazendo companhia uma a outra
esperando o fim dos tempos passar
_________em um grande rasante no céu

no viva-voz ouço sua respiração
as unhas marcam as dobras no papel
quando ela chegar a mil
_________poderá realizar um desejo
embora eu não esteja fazendo tsurus
também sigo concentrada
em não perder de vista meu desejo
_________e seus pássaros

vê que não é de cigarros que falo
ao convocar a imagem dessa grande abstinência
em que até a espera perdeu seu lastro
_________esperar o quê, pelo quê?
ficamos com o como
estamos fabricando o futuro
sem rasgar nem usar a tesoura
juntas até que a bateria acabe

enquanto o fim do mundo percorre sua trajetória
_________desenfreada entre os planetas e as estrelas
escuto a noite e a minha amiga
_________dedicada a não perder de vista
o que ainda temos

Moema Vilela é autora de A dupla vida de Dadá (Editora Penalux, 2019), Guernica (Edições Udumbara, 2017), Quis dizer (Edições Udumbara, 2017) e Ter saudade era bom (Editora Dublinense, 2014), finalista do Açorianos de Literatura. Publicou contos e poemas em revistas e jornais e em coletâneas como De tudo fica um pouco (Editora Dublinense, 2011), Cobain (2016), Antologia Off-Flip 2016, A criação da memória (Edipucrs, 2014), Antologia Um (Edipucrs, 2017), Mulherio das Letras (Costelas felinas, 2017), entre outras. Graduada em Jornalismo (UFMS), mestre em Linguística e Semiótica (UFMS) e em Escrita Criativa (PUCRS). Doutora em Letras pela PUCRS, é professora nos cursos de Escrita Criativa e Letras na PUCRS.