Meu pai batia tanto na minha mãe que ela se separou dele. Ele se casou mais uma vez e tudo se repetiu — grosserias e porradas na mulher.
Numa madrugada uns homens encapuzados invadiram o apartamento do meu pai, deram uma coronhada na sua testa e dois tiros perto do coração. Ele morreu na ambulância, a caminho do hospital. Os homens nunca foram encontrados. A polícia desistiu do caso porque não tinha pessoal disponível e nem pistas.
A viúva do meu pai e a minha mãe se conheceram no enterro. Minha mãe fez questão de ir para encarar com desprezo o defunto. As duas se tornaram amigas íntimas. Saem juntas para fazer unha, massagem, depilação, compras no shopping.
Minha mãe nunca perguntou, mas tem certeza de que a viúva do meu pai pagou muito bem aos encapuzados. A viúva do meu pai pensa que minha mãe contratou os encapuzados.
Só eu sei a verdade.
Alê Motta nasceu em São Fidélis, interior do estado do Rio de Janeiro. É arquiteta formada pela UFRJ. Participou da antologia 14 novos autores brasileiros, organizada pela escritora Adriana Lisboa. É autora de Interrompidos (Editora Reformatório, 2017) e Velhos (Editora Reformatório, 2020). É colunista da Revista Vício Velho.