Bicicletas voam
Na cidade que não vê.
Dor no app.
Haicai em Estesia, 2020.
* * *
rainha dos degredados
salve-me rainha
pois a vida não é doce nem misericordiosa
hoje só tem panela
e um pouco de maçunim
o marido se foi para as bandas do beberibe e vende caranguejo na feira de peixinhos
salve-me rainha
antes que os de eva morram
sem direito a maçãs ou coisa assim
o gás acabou
os jambeiros do cemitério de santo amaro desde ontem não safrejam
e minha filha menstruada
não pode frequentar o ponto hoje à noite
salve-me rainha e desterre
esta vontade de incendiar a vida e a dor que assola as mãos
Em Gris, 2018.
* * *
tereza
mãos enormes as de geraldo
tão grandes que não cabem
no corpo magro de tereza
quando se casaram
tinham planos de comprar uma casa de varanda
e passar uma semana em bariloche
neste tempo
os peitos de tereza
cabiam inteiros nas mãos de geraldo
mãos enormes as de geraldo
tão grandes que se espremem nas algemas e não podem mais acenar para tereza
que nesta hora é conduzida no carro do iml
para exame de corpo de delito sob suspeita de estrangulamento
Em As filhas de Lilith, 2009.
Cida Pedrosa nasceu em Bodocó, Sertão do Araripe Pernambucano, em 1963. Foi uma das militantes do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco na década de 1980 e daí vem seu gosto e experiência com a récita. Publicou dez livros de poemas, sendo os mais recentes Estesia (2020); Solo para vialejo (2019), Prêmio Jabuti (Livro do Ano e Livro de Poesia); Gris (2018); Claranã (2015); Miúdos (2011) e As filhas de Lilith (2009). Tem participação em antologias de poemas e contos no Brasil e no exterior. Alguns de seus livros foram selecionados pelos prêmios Portugal Telecom e Prêmio Oceanos de Literatura. Está no seu primeiro mandato como vereadora eleita do Recife e fala sobre literatura no canal Fresta (youtube.com/cidapedrosa).