sete poemas de ‘Cabeça do dragão’ (inédito), de Júlia de Carvalho Hansen

MEMÓRIA

Ao chegar numa festa
lotada você imagina
quem vê a festa sou eu
mas é a festa quem vê você.

JUVENTUDE

Já me refiro a ela como a outra.

MATURIDADE

Levei anos para aprender a gritar.
E agora que sou livre
estou dentro de casa.

TEMPO

Ainda não estou pronta
para escrever este poema.

ANCESTRAL

Mais antigo do que a morte
sábio que o esquecimento
dom do treino acumulado
adubo da metamorfose
trauma crônico
esperança de rebote
cordão helicoidal do umbigo
pó da atmosfera terrestre
fundo do mar, búzio celeste.

MÉTODO

Às vezes o poema
vai parar tão alto
a gente acha o poema
está tentando se esconder
se a gente sobe
tentando pegar
o poema cai por terra.

ÁRVORE

Fincar balanço
no rumo do sol
no céu, o ramo
a gênese.

O pescoço vem desde o pé
eu que só tenho olhos
a tua elegância de tronco e casca
eu que não tenho sequer raiz.

Deve fazer uns três mil anos
os meus antepassados não quiseram
entender os teus, eles utilizaram
a tua sabedoria como se fosse a minha.

Se você agora quisesse conversar
por que falaria comigo?
Que ainda não sou ninguém.
Que ainda envergo pouco.

Júlia de Carvalho Hansen nasceu em São Paulo, em 1984. É poeta e dedica-se cotidianamente à astrologia. Autora de livros publicados no Brasil e em Portugal, sendo os mais recentes Seiva veneno ou fruto (2016) e Romã (2019), os dois publicados pela Chão da Feira.