quatro poemas de Jussara Santos

Há muitos desastres desenhados sobre a cama
dois corpos nem sempre se traduzem em leves movimentos
algumas tatuagens registram o peso de certa mão
nós no lençol e não é o som do acordeão que te acorda.
A fronha afronta e salva sua dignidade.

* * *

O deserto
repousa em minha boca
verto a aspereza
de suas tempestades de areia
nós: sinônimo de abismo.

* * *

Quem se interessa pelo indigente
quem procura saber seu nome
a ele cabe a cova rasa
o tecido roxo para cobrir seu corpo
não lhe cabem mausoléus
nem a linha divisória
entre nascimento e morte
às vezes,
o que mais quero é ser indigente.

* * *

O que me resta
além da vermelhidão
do abismo
já que os muitos pássaros
que me habitam
se orgulham das asas
que não têm.

Jussara Santos é professora , escritora, natural de Belo Horizonte, Minas Gerais. Formada em Letras pela UFMG. Mestre e Doutora em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC-Minas. Pesquisadora da produção literária afrodescendente. Idealizadora do Projeto LATEMA (Lata poema). Publicou: De flores artificiais (Contos, 2002), Com afago e margaridas (Contos, 2006, Quarto Setor Editorial), Minas em mim (poesia, Prêmio BDMG Cultural), Crespim (Infanto-juvenil, 2013, Impressões de Minas), De Minas (Poesia, 2015, Impressões de Minas) e Samba de Santos (Poesia, 2015, Impressões de Minas) Indira (novela infanto-juvenil, 2019, selo autoral Azeviche).