Jazz band na sala da gente, romance de estreia de Alexandre Staut, relançado, agora, dez anos depois pela Folhas de Relva Edições, é um livro que você deveria ler.
O enredo se passa em uma pequena cidade do interior paulista, Espírito Santo do Pinhal, nos anos 1940, precisamente no terrível 1945. A história gira em torno de uma família, pai judeu alemão e mãe italiana, donos da única funerária da cidade. O pai, Eduardinho Staut, flautista da Pinhal Jazz Band, vive às turras com sua mulher, a conservadora Ondina, que tem repulsa pelo trabalho artístico do marido. Como pano de fundo, a época de ouro da música, suas cantoras, o rádio e a perseguição aos judeus no fim da Segunda Guerra Mundial.
A narrativa da obra é construída através do olhar do filho do casal, também chamado Eduardinho, que não entende o ódio da mãe pela música do pai; nem porque sua casa é procurada pelo pessoal da cidade aos prantos e sempre em desespero.
Bonito como o autor trabalha as diferenças de personalidades entre o casal Staut. De um lado, a delicadeza e refinamento de Eduardinho; de outro, o temperamento da esposa, extremamente religiosa e questionadora da arte do marido que, na sua opinião, é para os desocupados.
Ponto alto do livro, os concertos secretos que Eduardinho faz para os filhos quando Ondina não está em casa. Enquanto a mulher se preocupa o tempo todo em procurar ajuda para mudar o nome da família — afinal, em tempos de perseguição aos judeus, ter um sobrenome semita não é lá visto com muita tranquilidade — o patriarca, que tem orgulho de seu sobrenome, “procurava mesmo era encher a casa de música”. Nesses dias, “o tempo parava quando o som da flauta invadia a casa”.
Eduardinho, que não cuida dos mortos, mas do “último suspiro dos vivos”, é uma personagem apaixonante. E Alexandre Staut constrói um livro que, além de ser uma ode ao artista, discute temas delicados como o preconceito, por exemplo. E é exatamente aí que Jazz band na sala da gente atinge seu cimo. A relação de Ondina com Buduçu, jovem negra que vem trabalhar com a família, faz parte desses bons momentos do livro. É de uma aspereza que primeiro impressiona, depois emociona.
O autor faz ratificação, ainda de que maneira discreta e subliminar, ao papel dos judeus no cenário musical mundial. Benny Goodman, Gene Krupa e Artie Shaw, só para citar três foram nomes importantes do jazz, considerada por muitos uma música de tradição puramente negra.
Alexandre Staut é autor de diversos livros, entre eles, Paris-Brest e O incêndio, além de ser o idealizador e o editor da revista literária São Paulo Review e da Folhas de Relva Edições.
Ivam Cabral é ator, diretor, dramaturgo e cineasta. É fundador da Cia. de Teatro Os Satyros, ao lado de Rodolfo Garcia Vázquez. É Doutor em Pedagogia do Teatro e Mestre em Artes Cênicas pela ECA-USP. Já recebeu inúmeros prêmios e escreveu dezenas de textos traduzidos para o espanhol e o alemão. Atualmente, acumula o cargo de diretor executivo da SP Escola de Teatro — Centro de Formação das Artes do Palco.