seis poemas de Diana Pilatti

diário de uma palavra antiga

I
o poema já estava vivo
antes do primeiro bípede sobre a terra
o poema já era tempestade
_______________dente-de-leão
_______________líquido entre as guelras

o poema era o instante-navalha
perfurando silêncio
pouco antes do sol
descobrir-se horizonte

II
são relíquias do tempo
essas palavras que a memória silenciou

numa pedra qualquer
um nome
sobre a rocha vulcânica
meu corpo

e a poesia que se de.compõe
pregressa à rudeza do mundo
é a mesma poesia flórea
entre os dedos da minha ruína

a casa

desprende-se
da parede mofada
a palavra-tempo

silenciosa
observa a poeira em nado lento
entre os filetes de luz
preguiçosos a entrar nos vãos da sala

cheia de histórias não contadas
cada cômodo dilata-se
submerso em ausências

“Houve muito amor nessa casa.”
sussurra contemplativo algum fantasma
estático
entre um espelho quebrado e um porta-retrato

mas à Palavra pouco importa o passado

evidências

sob os pés da noite
a eternidade
e as horas sem sabor na boca —
pedras de gelo e tempo

a cidade calada
fecha seus olhos para os seres noturnos
igualmente mudos
na esquina
sob a marquise
atrás do muro
multidão
anônimos
na lentidão
homônima

e a fome devora o verbo nos olhos catatônicos

paradoxo

o verão desliza morno entre os lençóis no varal

um frescor de mãe quebra o mormaço das horas a morrer no vão da tarde

a beleza hipnótica desse movimento — caleidoscópio perfumado

há realmente um lapso no tempo
entre o viés rosado do tecido que chicoteia
e o refrão de Chico que a mãe assovia

eu-menina
estática
em queda livre
neste paradoxo de verão

saliva

a palavra dilui-se entre os versos
seiva
visgo
primeira chuva

na boca
o verso nunca dito espreita
entre as presas
desliza e escapa
pela ponta da língua

eu
na agonia das horas
desfaleço
descompasso

ela
a palavra-outra
na minha ausência
me sonha

palavra invisível

anônima
uma palavra vagueia pelas ruas
cheira suor e urina

bastarda
uma palavra se esconde nos becos da noite
treme a cada estampido

estática
com a mão estendida
uma palavra invisível
me encara
acelerar o carro e virar a esquina

Diana Pilatti é professora e poeta. Nasceu em Foz do Iguaçu-PR, mas mora em Campo Grande-MS desde os três anos de idade. Formada em Letras pela UCDB e Mestre em Estudos de Linguagens pela UFMS. Autora dos livros Palavras avulsas (2019) e Palavras póstumas (2020) e coorganizadora da Mostra Poetrix (2020). Divulga poesia em seu blog pessoal e nas redes sociais @dianapilatti.