cinco poemas para Georgia O’Keeffe, de Guilherme Dearo

I

as flores são pequenas ninguém
tem tempo de vê-las os nova-iorquinos
atarefados correm com suas agendas
não podem parar para agachar e
observar uma pequena flor que
porventura esclareça seu tedioso
caminho isso dizia georgia o’keeffe:
por isso pinto flores para que parem
de ter ideias sobre flores e possam
de fato olhar para as flores pinto-as
imensas para demorarem mais tempo
e meterem o rosto lá no fundo os lábios
roçarem os estigmas mordiscarem
os receptáculos feito abelhas gigantes
de óculos e cigarros e lambuzados
fossem a realidade-flor de cheiro-flor
não o homem que inventou a palavra-flor.

II

às vezes não bastam boas intenções e
o tino para o cheiro das tintas quando
se quer pintar flores flores banais com
formas e cores porque os críticos podem
enxergar outras coisas georgia o’keeffe
por exemplo chorou diante do primeiro
crítico que via vulvas não flores eram vulvas
e vaginas não flores como lírios rosas ou
magnólias mas não tem nada de sexual
meu senhor são flores não vulvas se projeta
vulvas em sua cabeça que se entenda com
a harmonia das formas comuns vá ao divã
deite-se com sua mulher que se abandone
com a matemática da natureza e seus uivos
noturnos.

III

arrancam as flores porque no
campo de flores há milhares
e se estão presas ao vaso
matam-nas de sede porque
são flores preferem palavras
e convicções os olhos tremem
e seus narizes não funcionam mais
mas sentam à mesa ao nosso lado
oferecem-nos a palma da mão
e requerem bons arranjos centrais
às empregadas então é urgente
pintar a flor imaculada ser a
prova de que há
curvas e
cores: lá fora elas dançam e resistem.

IV

não há flores na virginia como em
chicago assim como no metrô
de chicago faltam as lapelas floridas
dos cafés úmidos da virginia.

assim ela em roupas modernas vai
à rua atrás de um buquê colorido
e vasto como virginia woolf mandou
fazer mrs. dalloway por algumas horas.

e aos estudantes manda que pintem
um quadro por dia pela prática e pelos
vastos suplementos disponíveis:
há tantas flores quanto quadros.

portanto não faltam temas e se
as pinceladas não são perfeitas
não é questão porque perfeitas
também as flores não são.

além disso os expressionistas
abstratos descobriram a masturbação
e se anunciam nodosos na esquina
dispostos a destruir os vasos de angústia.

V

no novo méxico não há o novo
ou o méxico mas estou só e ouço
o deserto e o sol e pinto
estou só e não há críticos não há
homens e pinto
poucas são as flores não há
flores mas há cores e pinto
e o cheiro bem reto alisa a planície
há belzebus caídos e galhadas
há a lua e a escada
e pinto
não há alfred
mas há o nariz e minhas mãos
que são as mesmas
mas decaem e trabalham mas
há silêncio e pinto.
agnes martin talvez me entenda
entenda como tudo é liso
taos albuquerque e sim
manhattan, chicago,
embora não admitam mas
respiro e é reto.

Guilherme Dearo (São Paulo, 1989), é poeta e dramaturgo. Escreveu os livros de poemas Cabeça de touro (Editora Garupa, 2019), contemplado com edital da Secretaria de Cultura de São Paulo, e Duas hipóteses para um acontecimento (Editora Giostri, 2014). Publicou poemas em revistas como 7Faces, Gueto e Ruído Manifesto. Escreveu as peças O mar além (Festival Satyrianas 2013), Câmara escura (Festival Satyrianas 2014 e Janela de Dramaturgia de Belo Horizonte 2016), Obscenos gestos avulsos (Festival Satyrianas 2015) e Terminal Princesa Isabel (Festival Satyrianas 2020). Atualmente, estuda Letras na FFLCH-USP como segunda graduação e pesquisa arte e fotografia.