três poemas de Luamba Muinga

estes caminhos do medo
Pelas manifestações em Luanda

Agradecemos a formação de pessoas à rua
Agradecemos o medo formado e o fulgor tomado;
o retrocesso circunspecto que não se suporta tenderá ao irreal, ao feroz segredo
E os prisioneiros da tarde ascenderão heroicos quando brotar a noite limítrofe
E os opressores por estes caminhos do medo saberão que a fome não se vence somente com a cantata e a poesia.
E os canais das sarjetas formarão suas secretas fontes enquanto pela fronte ninguém passa
Por este alvorecer de jubilo e caça.

a mulher do bar

“Está fechado”, dizes. Mas eles batem.
Não batem apenas a porta de um bar fechado, batem também a porta do teu cansaço, da tua inconstância e do teu medo latente.
Batem e desfazem a força do cigarro que o teu filho pedirá para apagar quando for manhã, mas ainda assim o fumo circunda-me enquanto deixamos um bar fechado, sem a alma brilhante da madrugada.
Batem enquanto repuxas lembranças tuas ao meu ouvido,
Batem enquanto me pedes o sexo e eu calado para te não molestar ainda mais.
Batem e eu me pergunto pela impermanência desta intimidade (fechamos o bar?)
Continuarão a bater mesmo que já tenhas aberto o teu quarto a um tipo que apenas te ouviu.

Batem porque é a policia quem ordenou.

funeral para um elevador

O mijo que suplanta o beijo
O medo na encosta da rodovia
As salas das prisões que refreiam a crueldade
A ternura dos missionários católicos
A decifração da idade que embeleza a juventude na sua brava crença
Os campos límpidos e cultivados pelos sangues inocentes
Serás tu que negarás a beleza da baba dos recém-nascidos e aceitarás o seu crescimento, o passo seguinte, mas negarás a sua idade adulta, a adolescência fervente, pois são fezes fora do teu fruto.
O sofrimento das religiões e o suborno de uma branda adoração, o que te servirá?
Campos límpidos retratados nas pinturas holandesas, e ninguém te lembrará que no vidro dos elevadores perdem todos os sentidos

Luamba Muinga nasceu em Luanda, Angola, na última década do século XX. É crítico cultural, produtor e também curador de arte. É cofundador da revista eletrónica Palavra&Arte, centrada na produção artística emergente em Angola. Em 2018 dirigiu o minidoc Capitães Vulneráveis — A vida de crianças em situação de rua. A sua produção artística passa pela prosa, poesia e textos performáticos.