quatro poemas de Cândido Rolim

círculo

Vale dizer o mesmo
círculo turvo de conjeturas
a exaustiva prática dos mesmos
atos tipo andar
criteriosamente em círculo sem
ir a parte alguma repetindo
olhando mesmo campo
o cumprimento automático do
mesmo percurso nada disso é
privilégio dos encarcerados

anti estirpe

Nem pai nem filho
nem as ínguas do pai
nem gorgulho da prole
nem testa de casta

Nem natureza materna
nem mácula de finado
nem blindado na lisura
de ascendente invocável

Nem perspicácia avoenga
nem padrão de laico
nem semente de víbora
ou vitalícia bondade

Nem exemplo de fibra
nem próximo ao abastado
nem enfeite de mobília
tampouco besta de carga

estofo moral do desjejum

Sente o ouro da migalha
na mesa reservada onde
ceiam mandonas pós modorra
vincos roçando os
espaldares

Repare a prole roliça
pervagueia entre rações
balanceadas de inúteis
advertências
tudo cintado a um
jugo invisível de ante
pasto

fui

Aquele menino a quem o mestre
vicente duba guardava aos pés
das fornalhas do engenho
para lhe contar piadas impróprias
palavrões desaforos — tudo em
troca da imagem crepuscular de
sua corcunda sob o vapor
adocicado das caldeiras e
a risada quase sem dentes

Cândido Rolim nasceu na cidade de Várzea Alegre, interior do estado do Ceará, nordeste do Brasil, em 1965. É poeta, crítico, fotógrafo e músico amador, reside atualmente em Fortaleza. Alguns livros publicados: Arauto (1988, Editora Dubolso, Sabará-MG), Exemplos alados (1997, Editora Letra & Música, Fortaleza-CE), Pedra habitada (2002, Editora AGE, Porto Alegre-RS), Fragma (2007, Editora Secult, Fortaleza-CE), Camisa qual (2008, Editora Éblis, Porto Alegre-RS), Orumuro & Remerzbau (2017, Editora Butecanis, Florianópolis-SC), em parceria com Ronald Augusto e Ricardo Pedrosa Alves, e Sutur (2018, Editora Texto Território, Rio de Janeiro-RJ), Miniaturas, Carnaval Press, Londres, 2018, tradução ao inglês por Virna Teixeira e Piedra Habitada, Amotape, Lima, Peru, 2013, tradução de Oscar Limache e Alfredo Ruiz.