quatro poemas do livro ‘Enigmas de Jaguar e Jasmim’, de Mariana Varela

capa_enigmas

construção

Da montanha vejo escorrer
o cimento febril e diário.

Ouço, enquanto caminho
o som das moedas
caindo do cofre.

Cada minuto, uma moeda
cada horizonte, um centímetro cúbico
e todo o aparato imobiliário.

Caem ações
em construções de luxo.

E refletores de prata
anunciam corredores
de mineração pesada.

Salto na água
o barco é do tempo.

Cada centímetro anuncia
a engrenagem nova que fizeram
com o vento.

artimanha

Aberta, a fresta deixa escapar
o salto do gato sedento.

A língua bebe a água
a água engole a língua.

Especialista da sede
a língua exalta as frestas
abertas pela palavra.

Palavra-maga
Fresta aberta.

Água, língua
Porta, gato.

Em toda fresta
_______um salto

mínimo vasto

Dentro do olho mágico
a tua casa quase inteira.

E a roda da carroça que contém em si
a magia da velocidade.

Meus olhos contém o mundo, quando abertos
e fechados insinuam ainda
surrealistas composições.

Na seda em que me deito
está o bicho
está China
está a Pérsia

Adoráveis folhas e sementes
de papoulas.

No chip que carrego está também
a mão de obra chinesa
vietnamita, talvez, mais barata
a tecnologia alemã
— Toda a divisão internacional do trabalho.

Sim, quando toco tua mão
também posso sentir

Astros, planetas,
constelações dominicais

O mesmo incêndio permanente
dos signos cardinais.

Sim, não é preciso viajar
para conhecer os mares

Vales, montes e lagos
— nada disso preciso.

Cada coisa contém em si
outros mosaicos

E nada está só
nem sozinho é forjado.

Recolho-me,
contente em saber
que a mais pequena fechadura

contém em si
a composição mais mínima e perfeita
da abertura.

ouronomachia

Na noite indesejada,
passa de novo por mim a serpente
Há anos sei que vem
e em silêncio vejo-a passar.

Tudo que passa traz a mensagem
maior que sua superficial imagem.

São símbolos,
minerais fundamentais da vertigem
venenos que convocam a maré cheia.

Aberta, o rio me atravessa
Deserta, o rio me envenena.

O fogo flecha o signo
e me transporta à origem
da sua imagem mediada:

Tudo é mais que nome
tudo é mais que imagem.

Tudo é símbolo
tudo é viagem.

| poemas do livro Enigmas de Jaguar e Jasmim (Editora Urutau, 2020). |

Mariana Varela é paulistana, vivendo actualmente em Lisboa. É poeta e mestre em Sociologia. Publicou Enigmas de Jaguar e Jasmim em 2020 pela Editora Urutau.