construção
Da montanha vejo escorrer
o cimento febril e diário.
Ouço, enquanto caminho
o som das moedas
caindo do cofre.
Cada minuto, uma moeda
cada horizonte, um centímetro cúbico
e todo o aparato imobiliário.
Caem ações
em construções de luxo.
E refletores de prata
anunciam corredores
de mineração pesada.
Salto na água
o barco é do tempo.
Cada centímetro anuncia
a engrenagem nova que fizeram
com o vento.
artimanha
Aberta, a fresta deixa escapar
o salto do gato sedento.
A língua bebe a água
a água engole a língua.
Especialista da sede
a língua exalta as frestas
abertas pela palavra.
Palavra-maga
Fresta aberta.
Água, língua
Porta, gato.
Em toda fresta
_______um salto
mínimo vasto
Dentro do olho mágico
a tua casa quase inteira.
E a roda da carroça que contém em si
a magia da velocidade.
Meus olhos contém o mundo, quando abertos
e fechados insinuam ainda
surrealistas composições.
Na seda em que me deito
está o bicho
está China
está a Pérsia
Adoráveis folhas e sementes
de papoulas.
No chip que carrego está também
a mão de obra chinesa
vietnamita, talvez, mais barata
a tecnologia alemã
— Toda a divisão internacional do trabalho.
Sim, quando toco tua mão
também posso sentir
Astros, planetas,
constelações dominicais
O mesmo incêndio permanente
dos signos cardinais.
Sim, não é preciso viajar
para conhecer os mares
Vales, montes e lagos
— nada disso preciso.
Cada coisa contém em si
outros mosaicos
E nada está só
nem sozinho é forjado.
Recolho-me,
contente em saber
que a mais pequena fechadura
contém em si
a composição mais mínima e perfeita
da abertura.
ouronomachia
Na noite indesejada,
passa de novo por mim a serpente
Há anos sei que vem
e em silêncio vejo-a passar.
Tudo que passa traz a mensagem
maior que sua superficial imagem.
São símbolos,
minerais fundamentais da vertigem
venenos que convocam a maré cheia.
Aberta, o rio me atravessa
Deserta, o rio me envenena.
O fogo flecha o signo
e me transporta à origem
da sua imagem mediada:
Tudo é mais que nome
tudo é mais que imagem.
Tudo é símbolo
tudo é viagem.
| poemas do livro Enigmas de Jaguar e Jasmim (Editora Urutau, 2020). |
Mariana Varela é paulistana, vivendo actualmente em Lisboa. É poeta e mestre em Sociologia. Publicou Enigmas de Jaguar e Jasmim em 2020 pela Editora Urutau.