* * *
Tirei do girassol
as suas cores matinais
e sentei a existência
num vagão embriagado.
Na angústia-férrea
de primaveras e gestos
impensáveis, extrapolei
e perdi a estação.
Nas entrelinhas
do silêncio, a palavra
pesa e o sangue não pondera.
Entre bétulas e trilhos
a loucura é bilíngue.
A mecânica
dos bons costumes
não é injetável
e o limo petrificado
do sujeito normal
não me apraz.
* * *
Um poema retirado
das entranhas, da madureza
de uma árvore, que sobrevive
às estações mais infaustas.
Um poema febril,
com a coragem de um homem
que luta contra Deus e olha
para um mundo em rascunho
e diz: farei mais poemas
que o número das estrelas
do céu. O poeta e sua
inadequação, no pescado
das palavras os cavalos
do motor do seu coração.
* * *
Antes do sol
se esvair
serenamente
nos olhos salinos
do ocaso
quero sentir
a cada momento
o poema
que deriva
do sal das águas
que banham
a minha alma.
Tito Leite nasceu em Aurora-CE (1980). É poeta e monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de ensino de Filosofia. É autor dos livros de poemas Digitais do Caos (Selo Edith, 2016) e Aurora de Cedro (Editora 7letras, 2019). Participou das antologias Sob a pele da língua — breviário poético brasileiro (org. Floriano Martins, Arc Edições, 2019), Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Editora Patuá, 2019). É curador da revista gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais.