duas breves elegias
nessas viagens em que estradas
se desatam num sem-fim
em algum momento
entre uma e outra colina desbastada
vislumbro o mesmo sempre passarinho
em voo ansioso lado a lado com o ônibus
por alguns segundos
a noite escapa das entranhas
dos milhares de eucaliptos
e vai comendo devagarinho
a estrada pelas duas pontas
jazz coisa
um cara negro olho no olho da câmera
enquanto mete os beiços no bebedouro
destinado à branquitude
outro cara, um negro de nome clausural
mãos no teclado do piano como se dissera
me dá isso aqui que vocês vão ver só uma coisa
adorno dando com os cornos
em portões que não se abrem às suas pressuposições
sem ter ideia do como se haver com essa forma
de traição com essa sem-cerimônia no limite
da liturgia com esse
transe de desobediência civil
simplício
movimento é princípio de physis.
os céus estão sujeitos à geração e à corrupção.
para cada um dos possíveis movimentos simples
a conversiva, mover-se segundo
uma premissa que não é tolerada.
o fogo
a terra
onde se acoita o éter indefensável.
os três movimentos simples entalam o vale.
a estrada e as pedras de sal
a salmoura nos pés esfolados de simplício
simplício e a circunferência.
os corpos
os corpos
os corpos os corpos os corpos
no capítulo dois do livro um.
o que pode ser completado é não perfeito
cohabpestano
onde é pelotas, afinal de contas?
uns concordam que é no laranjal.
ou que é ali no mercado e suas imediações
a biblioteca o quindim de nozes.
os doces negros dos negros de pelotas
muitos juram que é onde pelotas.
têm aqueles que vão convencidos
de que pelotas é algo dos ramil.
de que pelotas agora é outra
que é outra onde angélica freitas.
onde é giba giba, afinal, pelotas?
é ainda pelotas ao final de tantas?
pelotas até cohabpestano
onde extremo o aeroporto é pelotas.
esgoto a céu aberto
onde o pestano a contragosto é pelotas.
onde é o povo negro no pestano
a poeira das ruas de terra e chão.
o ir e vir do povo do pestano
onde afinal é pelotas, a que eu sei.
Ronald Augusto é poeta e ensaísta. Formado em Filosofia pela UFRGS. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog Poesia-pau e é colunista do portal de notícias Sul21.