vazante
Ao que tem sede, a recrudescência
da sede. O peixe de salina, na vaga, expia,
da escama, a boca sufragada do expiado.
O rezo em sal, a ida ao barco, ao copo
emborcado do copo, salitrando, à altura
das vagas, o corpo sedento.
Ao que tem sede, a vaza, a baixa das marés,
a ova oleada dos peixes. Abster-se de si,
por si, em sequioso exílio.
Como, então, emergir, da água (ou dela
banhar-se) se à carne o batismo
foi negado?
ipês-rosas
deus não esteve nas entrecascas amolecidas de seiva dos troncos sulcados das peúvas quando elas se incendiaram, no pantanal. o fogo não veio dos raios que as chuvas trazem. os homens fizeram o fogo para espantar os mosquitos. os homens fizeram o fogo para renovar os pastos. os homens fizeram o fogo para o seu agronegócio. para o seu agroenguiço. deus não esteve com as rosas senhoras florando, suas folhas caindo, compostas, oblongas, demoradas. nada havia entre elas, as ipês e a seneh do horeb, a tal acácia, em chamas, não consumida. não consumada. não era uma visão, um enteógeno, uma miração de moisés, uma revelação divina, uma passagem do êxodo, uma chacrona, uma sarça ardente não crestada. eram as tabebuias. as ipiúnas. viu-se, ali, o próprio deserto que não precisaria ser atravessado por não haver terra trópica prometida.
aganju
era aganju pela fresta da crosta. aquele que habita as câmaras de magmas, aganju, roncou pelas frinchas. aquele que vive no fundo da terra, recolhido, aganju, roncou pelas fendas. aquele que habita o fogo nas entranhas da terra, aganju, roncou pelas falhas. boca e garganta são aganju. não silencia. costa e ombro são aganju. não descansa. seus olhos do escuro que a tudo enxerga. seus ouvidos do silêncio que a tudo escuta. do recôncavo, do paraguaçu, do jiquiriçá, do baixo sul, da baía de todos os santos, os homens e seus abalos sísmicos. os homens e suas cismas. os homens, quizila de aganju. come amalá. come bode castrado. orixá de terra firme. orixá de terra inculta. defende os menos favorecidos. parte o coração do inimigo no oxê.
Iolanda Brito Costa (Itabuna-BA). Editou, artesanalmente, folhetos de poesia Às Canhas as Palavras Realizam Mil Façanhas (1990), A Óleo e Brasa (1991) e Antese (1993). Tem poemas editados em jornais, agendas, antologias, revistas impressas e eletrônicas e blogs. É autora de Cinema: Sedução, Lazer e Entretenimento (UESC, 2000), Poemas Sem Nenhum Cuidado (FICC, 2004), Amarelo Por Dentro (Independente, 2009), Filosofia Líquida (Agora, 2012) e Colar de Absinto (Lumme, 2017). Coordena a coleção de plaquetes poéticas Pedra Palavra (Agora, 2012 -2020).