enquanto berram pelos telhados
mitos fundantes de uma arte imperativa,
enquanto imaginam nacionalidades encasteladas
em seus bunkers genocidas,
sangram pelos pés de Paulo Nazareth
os gritos de uma memória
sem a memória
de seus gritos.
silêncio em pedra
de uma memória polida
(quase) sempre generosa,
exceto em meu país.
* * *
como se desvencilhar da filosofia que nada concebe,
que só concebe a vida, sem vida,
que não se concebe enquanto prática de vida?
estaremos condenados a nos equilibrar
em suas ridículas pernas de pau,
a nos arrastarmos, trôpegos, mundo afora
com seus eternos aforismos,
por acharmos a terra rude demais
selvagem demais
aos nossos confortáveis pés
moldados na rigidez de velhos conceitos?
dos sonhos despiram-se as palavras,
do gesto libertário que a literatura inspira:
a sua capacidade de imaginar.
* * *
desdobro das vogais
suas almas
indisciplinadas
e
do verso
ergo a palavra—
grito
por ainda não a saber,
palavra.
às vezes faltam às palavras
a coragem de simplesmente serem,
palavras.
Leonardo Tonus é professor em literatura brasileira no Departamento de Estudos Lusófonos na Sorbonne Université (França). Membro do Conselho Editorial e do Comitê de Redação de diversas revistas internacionais, atua nas áreas de literatura brasileira contemporânea, teoria literária e literatura comparada com pesquisa sobre imigração. Em 2014 foi condecorado pelo Ministério de Educação francês Chevalier das Palmas Acadêmicas e, em 2015, Chevalier das Artes e das Letras pelo Ministério da Cultura francês. Foi Curador do Salon du Livre de Paris de 2015 que teve o Brasil como país homenageado e, em 2016, da exposição Oswald de Andrade: passeur anthropophage no Centre Georges Pompidou (França). É o idealizador e organizador desde 2014 do festival literário internacional Printemps Littéraire Brésilien. Em 2018 lançou sua primeira coletânea de poesia intitulada Agora vai ser assim (Editora Nós, 2018) e vários de seus poemas já tiveram publicação em antologias e revistas nacionais (A resistência dos vaga-lumes, 2019; Em tempos de pós-democracia, 2019; O que resta das coisas, 2018 — finalista do Prêmio Ages 2019) e internacionais (Aosnovoiorquinos, New York, 2019). Seu livro mais recente é Inquietações em tempos de insônia (Editora Nós, 2019).