Quem com ferro
__________alcança
os olhos abertos
da ferida.
_____Quem com os olhos
fura
_____a bandeira de vento
_____a blusa azul da manhã
_____que mesmo assim continua:
brisa ou
_____barco à vela
sobre o mar
_____ave, avião
com suas asas de viagem
voando como qualquer nuvem
de pensamentos no céu.
_____Quem com olhos
de ferro
_____procura
o rosto do meu corpo
quem com as feras
__________se lança
no rio do meu coração
em vão
_____quem com ferro?
* * *
Como um dia perdido
dentro da vida
__________como um dia
esquecido na lembrança
que abandona
__________todo o seu vento
o tanto de sol
que entra no pedaço da tarde
parada sobre o quintal
este dia
_____se repete
entre tantos
_____e chega
até a mim
_____repentino
com a sua sombra a esmo:
o mesmo vento
o mesmo sol que bate
na mesma tarde e anda
no chão de agora
__________perdido
como o dia de dentro
como o dia de antes
com a sua luz que alcança
a vida
__________deste momento.
* * *
Terra —
_____a nuvem se decifra no céu
o sono some no sonho
que logo se soma
a outro desenho, a outro
desígnio, cisne de signos
ou sino de neve
ou hino de névoa
no céu, as nuvens
seguem e cegam
o olho de mel do sol.
Terra —
_____aqui, no chão, a sombra
calça suas luvas
ao avesso, alça
nos ombros, armários de carvão
aqui, tão perto do coração
tão junto do peito
na beirada de pele e de pedra
do corpomar do planeta
minha vida se abraça com o espaço
de cada dia, e passa.
Armando Freitas Filho é poeta. em 2003 publicou Máquina de escrever — poesia reunida e revista (1963–2003), no qual comemora 40 anos de carreira. Recebeu, em 1986, com o livro 3×4, o Prêmio Jabuti e em 2000, com o livro Fio terra, o prêmio Alphonsus de Guimaraens, concedido pela Biblioteca Nacional. Em 2001 ganhou a Bolsa Vitae de Artes. Em 2006 publicou Raro mar. Em 1979, publicou o ensaio “Poesia vírgula viva”, no livro Anos 70 — Literatura, no qual faz um panorama da poesia brasileira desde os anos 50. É o organizador da obra de Ana Cristina César.