quatro poemas de Juliana Maffeis

1.
cartografar um labirinto
é coisa simples, meu bem
primeiro saiba o que tem
nas mãos: porra nenhuma
depois perceba como o som
dos nossos corpos é suave
como um acidente sem
vítimas e como o asfalto
é líquido quando deita
e derrama suas bordas
mornas pelas avenidas
de mão única: somos
esquinas da mesma
rua sem saída e esse
é o nosso ponto
de referência

2.
não quero teu tempo colado no meu
saber quais teus compromissos
se já tomou o remédio das seis nem quero
saber como foi a aula de pilates que você
prometeu seguir em frente depois
que os quarenta revelaram dois piás
de vinte peleando pela cama
mais alta do beliche
não quero estar contigo por tudo
o que há de vir como naquelas juras
antigas nem vou te chamar de melhor
amigo depois que nossa relação couber
numa gaveta do tamanho das horas
que esvaziaram o arquivo extinto
pelo último patrão que não pagou
teu décimo terceiro e por isso
não fomos à praia naquele verão
que juntou nossos corpos entre suor
e pânico enquanto ríamos do carnaval
da televisão do isopor do pó do samba
do enredo tudo tão precário que dava
gosto de ver como conseguimos
subir tantos degraus de escada
em um prédio sem elevador
e olhar um para o outro
como quem insiste em
manter uma planta longe do sol
um método inovador usado
para sustentar o fracasso até
o dia que o tempo morde a língua
numa fala mole quase sem saliva
pra secar no guardanapo sobre a mesa
o saleiro é uma ampulheta
entupida de grão de arroz
jamais cozido

3.
colecionamos dores nas têmporas
e roxos nas pernas das noites
que não sabemos como acabam
ou se acabam dentro da mesma ideia
de eternidade: esse lugar que cuspimos
longe pra mostrar como as guria são braba
só revelam como magoam aqueles garçons
bonitos quando fingem indiferença sem
perceber nosso aceno que é também
um grito um pedido de socorro um
suplício quase em carne viva amanhã
vai ser diferente juramos beijando
a ponta dos nossos dedinhos
sujos de menstruação tô fazendo
amor com outra pessoa, baby,
mas meu coração
você mastiga e engole
com caroço

4.
minhas mãos
guardam teus
dedos num gesto
de não vai embora
nada adianta ler
linhas cruzadas
em palmos de pele
quando às quatro
e vinte você dobra
a esquina e lembro
que ainda tenho
duas mãos
pra que
não sei

(quando
volta de mãos
no bolso devolve
minha vontade
vestida de dedos
e gestos e linhas
e peles e
quando)

Juliana Maffeis é educadora popular e escritora. Licenciada, mestra e doutoranda em Letras, na área de Escrita Criativa (PUCRS). Pesquisa sobre as relações sociais entre imagem e poesia, e é autora de Solitária companhia de teatro (Editora Patuá, 2017).