pressa em dizer
tanta coisa
sinto a presença
divina quase a
encostar-me os
calcanhares
* * *
acho abusivo
ligeiramente
abusivo
de todas as
minhas
desistências
é a única
que insiste
* * *
foi meu
primeiro medo
e até hoje não
nos falamos
te confundia
com a lerdeza
de uma noite
inteira com os
olhos abertos
nunca temi
escuridão
tempo é
que me
apavora
e disseram
que és
senhor dele
depois cultivei
medo das rãs
e de penas de
pavão
disseram-me
que também
eram crias
suas
de certas colheitas
também me veio
medo dos cabelos
em ralo de chuveiro
disseram-me
que nenhum
deles me cai
sem tua vontade
* * *
eternidade
eu que não
a compreendo
de certeza
envolve
tédio
suficiente para
que te preocupes
em tirar-nos fios
de cabelo um a um
há hecatombes
há holocaustos
há dores de hérnia
há extinção dos ursos polares
mas tuas vontades
residem no escalpelamento
de bulbos capilares
em um por um
* * *
então repito
que tenho
pressa
sigo
a correr
antes que
emudeça
de exaustão
sei que
um dia
me alcançarás
é teu hálito
que me faz
suar os calcanhares
e é lá
que há
de me tocar
grande será
minha queda
já ouço os
aplausos do
mundo
já ouço meu
nome em
boca de
pastores
acompanhados
provavelmente
de
satanista
maldito
viciado
alcoólatra
depravado
divorciado
enganador de velhinhos nas apostas de jogo do palito
[afinal
_____valia cerveja]
comunista
canibal amante de corpos
e
carnavalesco
na verdade
só tive um
grande medo
na vida
um medo
de quatro
letras
tenho medo
do amor
disseram-me
que todos os
infernos das
terras que
sequer conheço
foram criados
por amor a mim
deus
depois
de tanto
tempo
apenas peço
não me
toque
os
calcanhares
não enquanto
corro com medo
do teu amor
por mim
Thiago Medeiros é pernambucano de Caruaru. Escritor e agitador cultural. Idealizador do Encontro Literário Letras Em Barro e da Oficina Levante Literário. Publicou o livro de contos Claro é o mundo à minha volta, pela Editora Patuá. Organiza, junto com o poeta Andri Carvão, o Simpósio de Poetas Bêbadxs. Publicou em revistas como Mallarmargens, Gueto, Bibliofilia Cotidiana, Variações e Xapuri. Escreve para não esquecer de si mesmo.