equilibrista, poema de Natalia Timerman

Ontem fomos ao circo
meu pai queria
levar os netos
fomos todos
um circo de lona

seria bom poder dizer
todos os dias
fomos ao circo
mas isso só acontece
uma vez
ou uma vez
de vinte em vinte anos

ir ao circo é medir o tempo
em passadas de elefante
não há mais elefantes no circo
só sua grandiosidade
os olhos das crianças abertos
olhando para cima
para o alto do circo
o auge da vida da criança
quem sabe o auge da vida

sem que se perceba
de repente já passou e só depois
muitos anos depois
numa lembrança repentina
diante de um saco de pão
aquilo lá
tão pouco, tão nada, veloz
foi o auge
e já passou

estávamos atrasados
queríamos estar felizes
como devem estar
pessoas a caminho do circo
meu pai estava bravo
eu estava tensa
cansada do dia e das noites
as crianças estavam felizes
por trás do silêncio que
o rosto dos adultos
exigia delas

meu pai não disse
oi
demoramos a achar os lugares
que eram
separados
estava cheio
alguém perdeu o ingresso
não sabíamos onde uma pessoa
de tantas que éramos nós
(somos uma família grande, percebi)
deveria se sentar

quando começou
o espetáculo
percebi a boca seca a garganta
pedindo água e os ombros duros
como nunca imaginei
no dia de ir ao circo

uma mulher equilibrou pás
longas de madeira
talvez fossem de plástico
do lugar onde eu estava
não conseguia enxergar
só ver que a mulher
equilibrou várias delas
fazendo com seu corpo
um móbile de calder
vivo como os dias
que acontecem
que passam como são
não como queremos que sejam

foi um auge e foi
bonito mesmo que triste
bonito porque triste
porque vivo
porque estávamos todos
vendo a mulher
equilibrar as pás
e os homens pulando alto

quando acabou
as crianças sorriam
os adultos sorriam
já esquecidos
do atraso da sede
do dia das noites

nos abraçamos nos perdoamos
sem uma palavra
enquanto as crianças
comiam pipoca
e espalhavam pelo chão

Natalia Timerman é escritora, psiquiatra pela Unifesp, mestre em psicologia e doutoranda em literatura pela USP. Cursou a pós-graduação em formação de escritores do Instituto Vera Cruz. Publicou Desterros — histórias de um hospital-prisão (Editora Elefante, 2017) e a coletânea de contos Rachaduras (Editora Quelônio, 2019). Seu primeiro romance sai em 2021 pela Editora Todavia.