quatro poemas de Susanna Busato

enlagarça I

Sou um corpo.
E isso dói.
Um corpo carne
um corpo verme
um corpo canto
um corpo que não
um corpo que nem
tanto.
Um corpo que
em carícia e saliva
tece a substância
com que enclausura
o corpo que procura
e o que mais não seja
corpo usura.
E assim a fome
devora o que some
e revela no centro
o sendo
o corpo com que me

sur

(acima e através)

pre

(antes de tudo)

endo

(seja)

a poesia é

A poesia é
______tiro no vácuo
______no vão do espelho
______desconcerto
______e bote armado.

______Quando sangra um pouco
______eu sinto o gosto
______dos caninos no meu corpo.

entre

Dos limites conheço
as bordas
os prefácios
os precipícios
as capas
as altas ondas
as orelhas
as quinas pontiagudas
das facas
estiletes
de ar.

Dos medos conheço
a falta
a culpa
a partida
a solidão
de uma janela aberta sobre a noite
a mudez
de uma parede depois de trancada a porta
a página aberta
a palavra alerta
a luz branca
a testa estanque
na ruga rente
a dividir o corpo
antes e depois
da sede.

suruba na gaveta dos papéis mofados

Um ácaro acaricia
a sílaba-chama.

Na pele da palavra
suor em escamas.

Um ácaro aguarda
a sílaba em pelo.

Uma palavra ama
um ácaro de joelhos.

| poemas do livro Moldura de Lagartas (Selo Demônio Negro, 2020). |

Susanna Busato é poeta e professora de Poesia Brasileira (UNESP). Autora do livro Moldura de Lagartas (2020), pelo Selo Demônio Negro, e do livro de poemas Corpos em Cena (2013), pela Editora Patuá, com o qual foi finalista do 56º Prêmio Jabuti de Literatura, categoria Poesia, em 2014. Publicou a plaquete Papel de Riscos, pelo Centro Cultural São Paulo, em 2013. Ganhadora do Mapa Cultural Paulista, categoria Poesia, em 2010. Tem poemas publicados em vários sites e revistas de poesia e literatura. Participou da Mostra “Poesia Agora” no Museu da Língua Portuguesa (2015), na Caixa Cultural do Rio de Janeiro (2017) e na Caixa Cultural de Salvador (2017). Como declamadora, participou do Recital Multitudo Haroldo de Campos, no Itaú Cultural (2011), em São Paulo e do Recital Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros (homenagem a Oswald de Andrade), na FLIP de 2012, em Paraty.