paráfrases
Para Tito Leite
Leio os versos do Tito
e penso que os absorvo
com o tato do olho.
Nesse momento,
o olho é espelho que entende
a clareira de um sonho
no rosto.
E eu,
parafrasista,
insisto, ainda,
que o espelho também entende
a escuridão de um rosto
no sonho.
Assim, empresto-me
dos versos do Tito
e empresto-lhe ângulos
em que a minha visão
dispensa clareiras
ou escuridões.
É visão apenas.
Tal qual se faz,
a poesia se dissolve
entre os poetas e os sonhos.
E nos empresta o que há de si
em nós, e, ora,
certo lapso,
nos ocorre.
céu
O sol
é sempre
o mesmo.
O céu
nunca.
O seu
é sempre
o mesmo.
O sou
nunca.
aindas
O contraponto da solidão
é a liberdade.
É curiosa a impressão
de estar liberto
na saudade
e ver o que sobra de mim
quando falta alguém:
a dor de ser o herói
da dor que me faz refém.
É isso:
encho-me de mim
se não há mais ninguém.
É a coerência do tempo
que acidenta
e acalenta o que vem,
a oferecer perdas lindas,
e colorir de novas vindas
a partida dos sonhos,
e a dizer às coisas findas
que se vão contundentes jás,
que retornem sutis aindas…
meditação
Estar aqui
e agora é
deixar que essa vida cheia
de momentos fastios
preencha seu tempo de estios,
de um desapego
_______________que anseia.
Afinal,
o passado é areia
onde se firmam, pregos,
os brios
que espalham frágeis fios,
entre a coisa em mim
_______________e a alheia.
E o futuro
é o ver-me e
cegar-me em seguida;
é o atalho para muito além
do lugar que sou.
Uma entrada
_______________sem saída.
Agora
é melhor a palavra
para o tempo em que existe vida;
aqui, para o lugar
onde estou quem quero estar
sem rota
_______________presumida.
os poemas no papel
Um contraponto a Ana Martins Marques,
que não conheço, mas admiro.
Os poemas no papel
perecem
e ainda bem.
Resistiriam à chuva
se escritos no pano,
mas não à deriva do engano.
Sustentariam até prédios
se escritos na madeira,
mas faísca faria deles fogueira.
Seriam, enfim, eternos
se escritos na rocha,
mas não dariam brecha…
No papel,
permitem-se ser amassados,
rasgados,
findos, os poemas…
Não vejo coragem suicida
nos poemas
do papel.
Ao contrário,
a cada rasgo e emenda,
a poesia revive remida.
Bruno Ramalho de Carvalho é poeta e médico, arranha no flugelhorn e se interessa por filosofia. Ginecologista em Brasília, Distrito Federal, atua na área da reprodução humana. Publicou três livros de poesia: A penúltima coisa que se faz (edição do autor, 1999); Do amor deveras e das quimeras (Emooby, 2011); e livra-me, poesia (Editora Scortecci, 2019). Participou de diversas coletâneas poéticas. Hoje, dedica-se a seu próximo livro, ao qual dá, provisoriamente, o título de Poemas colaterais, em menção à poesia como efeito do dia-a-dia.