cinco poemas de Bruno Ramalho de Carvalho

paráfrases

Para Tito Leite

Leio os versos do Tito
e penso que os absorvo
com o tato do olho.

Nesse momento,
o olho é espelho que entende
a clareira de um sonho
no rosto.

E eu,
parafrasista,
insisto, ainda,
que o espelho também entende
a escuridão de um rosto
no sonho.

Assim, empresto-me
dos versos do Tito
e empresto-lhe ângulos
em que a minha visão
dispensa clareiras
ou escuridões.

É visão apenas.

Tal qual se faz,
a poesia se dissolve
entre os poetas e os sonhos.

E nos empresta o que há de si
em nós, e, ora,
certo lapso,
nos ocorre.

céu

O sol
é sempre
o mesmo.

O céu
nunca.

O seu
é sempre
o mesmo.

O sou
nunca.

aindas

O contraponto da solidão
é a liberdade.

É curiosa a impressão
de estar liberto
na saudade

e ver o que sobra de mim
quando falta alguém:

a dor de ser o herói
da dor que me faz refém.

É isso:
encho-me de mim
se não há mais ninguém.

É a coerência do tempo
que acidenta
e acalenta o que vem,

a oferecer perdas lindas,
e colorir de novas vindas
a partida dos sonhos,

e a dizer às coisas findas
que se vão contundentes jás,
que retornem sutis aindas…

meditação

Estar aqui
e agora é
deixar que essa vida cheia
de momentos fastios
preencha seu tempo de estios,
de um desapego
_______________que anseia.

Afinal,
o passado é areia
onde se firmam, pregos,
os brios
que espalham frágeis fios,
entre a coisa em mim
_______________e a alheia.

E o futuro
é o ver-me e
cegar-me em seguida;
é o atalho para muito além
do lugar que sou.
Uma entrada
_______________sem saída.

Agora
é melhor a palavra
para o tempo em que existe vida;
aqui, para o lugar
onde estou quem quero estar
sem rota
_______________presumida.

os poemas no papel

Um contraponto a Ana Martins Marques,
que não conheço, mas admiro.

Os poemas no papel
perecem
e ainda bem.

Resistiriam à chuva
se escritos no pano,

mas não à deriva do engano.

Sustentariam até prédios
se escritos na madeira,

mas faísca faria deles fogueira.

Seriam, enfim, eternos
se escritos na rocha,

mas não dariam brecha…

No papel,
permitem-se ser amassados,
rasgados,

findos, os poemas…

Não vejo coragem suicida
nos poemas
do papel.

Ao contrário,
a cada rasgo e emenda,

a poesia revive remida.

Bruno Ramalho de Carvalho é poeta e médico, arranha no flugelhorn e se interessa por filosofia. Ginecologista em Brasília, Distrito Federal, atua na área da reprodução humana. Publicou três livros de poesia: A penúltima coisa que se faz (edição do autor, 1999); Do amor deveras e das quimeras (Emooby, 2011); e livra-me, poesia (Editora Scortecci, 2019). Participou de diversas coletâneas poéticas. Hoje, dedica-se a seu próximo livro, ao qual dá, provisoriamente, o título de Poemas colaterais, em menção à poesia como efeito do dia-a-dia.