babel
dentro da pós-verdade
rostos geminados
sorriem (saliva e
peçonha
) apontando a culpa da vítima
_______________a culpa pós-
morte
cozida por indicadores em riste
na longa noite
dos amoladores de facas.
da pós-verdade ao
pós-trabalho: a rês livre
para os negócios
(as cláusulas e caminhos
do abate).
agora pós-tudo
a legião de pais da velha família
vomita em novilíngua
a redução de um país
ao plural de pó
giallo
empunhar o cansaço como
uma espada de iansã, proteção contra
estar dentro de um filme italiano
em que do matador em série
aparecem apenas as luvas pretas
de couro. escolher as armas: livros e
amores (os mais queridos, de segunda
mão), além de imagens riscadas em
sonho, como o olhar de vidro dos
pescadores saudosos de algo que o mar
não devolve. como as guirlandas,
helênias, gérberas e outros nomes reais
ou inventados de flores ou de meninas
assassinadas. você sabe, esta casa
retrocede e dobra e se curva ao sabor
da fuga. só temos que voltar antes
que o filme acabe. por enquanto, pilhar
toda ninharia que componha o paiol —
uma península, uma paz tarja-preta, um
bestiário de figurinhas autocolantes,
o cheiro de chuva do seu cabelo.
escolher as armas na pressa, sob
o manto protetor do meu cansaço.
há mandíbulas em volta se fechando
em carniça, não há muito tempo.
você tem a chave, mas não é fácil ler
as linhas borradas do seu rosto.
daqui parece um sorriso
sesmarias
1% dos mais ricos do mundo detém a mesma
riqueza que o resto dos 99%.
seis brasileiros concentram a mesma renda
que 50% dos mais pobres.
nos EUA a média diária de consumo de água
per capita é de 575 litros enquanto na Etiópia
é de 15 litros.
dez multinacionais têm mais capital que 180 países.
mulheres recebem, em média, salários 30% menores
que os homens quando ocupam os mesmos cargos
e com a mesma formação.
o motorista do Dr. Mansur
é filho do motorista do pai do Dr. Mansur.
aquele zé-ninguém puxando conversa com a
madame. se o coronel manda apagar não dá nada.
advogados só podem despachar com magistrados
às 3as e 5as, das 14hs às 17hs (alguns
não atendem mesmo).
você sabe com que está falando?
pão nosso
com tanto amor
totalitário
pingando
de vossa excelência
este que vos fala
tão menor
tão merecedor
de amparo
piedade e esmola
só poderia
agora
na ágora
do corpo
replicar com
ódio
| poemas do livro Corvos contra a noite (Editora 7Letras, 2020). |
Diego Vinhas nasceu em Fortaleza em 1980. É defensor público e participou de antologias do Brasil, EUA e Portugal, além de ter publicado em diversas revistas, como Inimigo Rumor, Cult, Sibila, Escamandro, Modo de Usar & Co, Gueto, Zunai, dentre outros. É autor dos livros de poemas Primeiro as coisas morrem (2004), Nenhum nome onde morar (2014) e Corvos contra a noite (2020), todos pela Editora 7Letras (RJ).