Novidade inicialmente planejada para sair com exclusividade nas edições trimestrais da revista gueto, nas versões dos formatos PDF, MOBI E EPUB, esta coluna Últimas Páginas (o nome já diz, entrarão nas páginas finais da revista) trará crônicas e informações sobre literatura, arte, política e demais assuntos de interesse de seu colunista, nosso editor-chefe, o escritor Rodrigo Novaes de Almeida. Mas a quarentena fez com que mudássemos os nossos planos. Pelo menos durante o confinamento, a coluna será aqui no portal e semanal, sempre aos sábados, para não alterar a programação das publicações semanais de segunda a sexta. Hoje, publicamos a oitava. Bem-vindxs!
Por Rodrigo Novaes de Almeida
CRÔNICA
Educação cinematográfica
Ou o meu cinema afetivo
Rio de Janeiro, 4 de julho de 2020.
Dentre as minhas lembranças da infância estão as de assistir aos filmes de Charlie Chaplin nas sessões de cinema do Colégio de São Bento, no Rio de Janeiro. Anos mais tarde, assistiria a todos novamente.
Chaplin, que tinha obsessão por Napoleão Bonaparte e sonhava em interpretar Hamlet e Cristo, só deixou de lado o imperador francês quando Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha e ele fez, por meio da sátira, o anti-Hitler (O grande ditador). Poucos anos antes, já tinha denunciado essa nossa sociedade movida pelo lucro financeiro em Tempos modernos. O famoso e milionário cineasta jamais esqueceu a infância paupérrima, cuja vivência possibilitou a criação de um dos personagens mais famosos do cinema, Carlitos.
Adolescente, visitando locadoras de fita VHS, eu daria continuidade a minha educação cinematográfica, desta vez pensada para este fim, com películas de Glauber Rocha, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman, Woody Allen, Quentin Tarantino, Akira Kurosawa, Stanley Kubrick, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Roman Polanski, Bernardo Bertolucci, Pier Paolo Pasolini, François Truffaut, Jean-Luc Godard, David Lynch, Krzysztof Kieślowski, etc.
Às vezes, dedicava semanas inteiras a um único diretor. Aliás, algo que fica escancarado para mim hoje, mas que na época não era evidente: todos são diretores homens, não há mulheres cineastas na minha formação cinematográfica. Até que ponto esse é um meio machista ou seria eu o machista, mesmo com todos os cuidados e o esforço de desconstruir o machismo estrutural em mim? É verdade, porém, que essa minha preocupação só passou a ser uma realidade na última década.
Na faculdade de Filosofia na URFJ, aos 19, 20 anos, dei continuidade aos aluguéis, agora de DVD, e tive a oportunidade de assistir aos filmes do Glauber Rocha no IFCS, com direito a palestra de sua mãe, Dona Lúcia, uma das fundadoras da Fundação Tempo Glauber. Lembro-me também de naquela época, em meados da década de 1990, ter comprado de um colega um livro com roteiros de filmes do Fellini que tenho até hoje, chamado Fellini visionário, editado pela Companhia das Letras. Eu gostava de escrever roteiros de curtas, que não sobreviveram aos anos. Foi do cinema que trouxe para os meus contos um detalhe dos mais importantes: o corte. Neste livro tem também um ensaio do Glauber a respeito do cineasta italiano.
Já durante a faculdade de Comunicação, assistiria no cinema que existia na rua Prado Junior, em Copacabana, ao filme Morangos silvestres, de Bergman. Lembro de ter saído da sala enxergando uma Copacabana que parecia irreal e extemporânea.
Mais tarde, quando já não existiam mais locadoras e os filmes estavam na internet de alta velocidade para serem baixados em centenas de milhares de sites piratas, reveria quase todos os filmes da juventude e de outros cineastas como o polêmico Lars von Trier e o ótimo Paolo Sorrentino.
* * *
Atualmente, o meu diretor preferido e de quem sempre que posso revejo os seus filmes é o Paolo Sorrentino. La grande bellezza [A grande beleza] ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro e o Globo de Ouro em 2014. Nesta película, acompanhamos o jornalista Jep Gambardella flanando por uma faustosa Roma. Autor de um livro de sucesso na juventude, o personagem, tendo acabado de completar 65 anos, faz uma análise de sua vida.
Outros filmes dele que costumo rever são:
La giovinezza [A juventude], que narra a história de um maestro aposentado de férias com sua filha e seu melhor amigo cineasta em um spa para milionários nos alpes suíços; com Michael Caine e Harvey Keitel.
Loro [Silvio e os outros], sobre o magnata da mídia e político Silvio Berlusconi.
Il Divo [A Vida Espectacular de Giulio Andreotti], filme biográfico sobre Giulio Andreotti, que exerceu sete mandatos como primeiro-ministro italiano e era chamado de Divo ou Belzebu.
Paolo Sorrentino também é o realizador de duas séries excelentes: The Young Pope e a continuação The New Pope. Na primeira, um jovem estadunidense charmoso e misterioso, interpretado por Jude Law, se torna o Papa Pio XIII. Diane Keaton também participa da série. Destaco o ator italiano Silvio Orlando, que interpreta o cardeal Angelo Voiello, secretário de Estado do Vaticano. A continuação tem John Malkovich como um aristocrata inglês que é colocado no trono papal e adota o nome de João Paulo III, enquanto o Papa Pio XIII está entre a vida e a morte em coma. Ambas estão disponíveis no HBO.
LANÇAMENTO
O meu livro mais recente, A clareira e a cidade, já está disponível para pré-venda no site da Editora Urutau no [link]. Sábado que vem, dia 11, participarei de uma live de lançamento no Instagram da editora. Estão todos convidados para assistir. O posfácio do livro é do poeta Tito Leite, curador da revista gueto. Saiba mais [aqui].
“Um convite aos leitores para pensarem além dos escombros de toda estrutura unidimensional, e quem sabe enxergar outras clareiras e mergulhar nos guetos das nossas cidades, deslumbrando um mundo melhor, em que a poesia é o corpo sensual do saber / que escapa.” (Tito Leite, no posfácio)
DICAS DE LEITURA
1. “A nebulosa fascista”, texto de Umberto Eco, publicado originalmente na Folha de S.Paulo em maio de 1995. Disponibilizamos em PDF para download livre.
Link: https://bit.ly/fasci_eco
2. “O que está acontecendo no Brasil é um genocídio”. Entrevista com o antropólogo Eduardo Viveiro de Castro (tradução de Francisco Freitas), no site n-1 Edições.
Link: https://n-1edicoes.org/070
DICAS PARA ASSISTIR (OU OUVIR)
1. Projeto Hora da Leitura da PUC-RS com leitura de textos em poesia e em prosa. Confira a lista de reprodução no canal do Youtube no [link].
2. Terra em transe — Filme de Glauber Rocha de 1967. Disponível completo no Youtube no [link].
3. Satyricon — Filme de Federico Fellini de 1969. Disponível completo no Youtube no [link].
4. Asas do desejo — Filme de Wim Wenders de 1987. Disponível completo no Youtube no [link].
CITAÇÃO
“O que é um escritor, senão um sujeito criminoso, um juiz, um executor? Não fiquei versado na arte da decepção desde a infância? Não estou crivado de traumas e complexos? Não tenho sido manchado com toda a culpa e pecado do monge medieval?
Que coisa mais natural, mais compreensível, mais humana e perdoável do que as monstruosas agitações do poeta isolado? Tão inexplicavelmente como entravam na minha esfera, eles partiam, esses nômades.” (Henry Miller, Nexus, tradução de Hélio Pólvora)
POESIA
O HOMEM E A MORTE
(de Manuel Bandeira, em Antologia poética)
O homem já estava deitado
Dentro da noite sem cor.
Ia adormecendo, e nisto
À porta um golpe soou.
Não era pancada forte.
Contudo, ele se assustou,
Pois nela uma qualquer coisa
De pressago adivinhou.
Levantou-se e junto à porta
— Quem bate? Ele perguntou.
— Sou eu, alguém lhe responde.
— Eu quem? Torna. — A Morte sou.
Um vulto que bem sabia
Pela mente lhe passou:
Esqueleto armado de foice
Que a mãe lhe um dia levou.
Guardou-se de abrir a porta,
Antes ao leito voltou,
E nele os membros gelados
Cobriu, hirto de pavor.
Mas a porta, manso, manso,
Se foi abrindo e deixou
Ver — uma mulher ou anjo?
Figura toda banhada
De suave luz interior.
A luz de quem nesta vida
Tudo viu, tudo perdoou.
Olhar inefável como
De quem ao peito o criou.
Sorriso igual ao da amada
Que amara com mais amor.
— Tu és a Morte? Pergunta.
E o Anjo torna: — A Morte sou!
Venho trazer-te descanso
Do viver que te humilhou.
— Imaginava-te feia,
Pensava em ti com terror…
És mesmo a Morte? Ele insiste.
— Sim, torna o Anjo, a Morte sou,
Mestra que jamais engana,
A tua amiga melhor.
E o Anjo foi-se aproximando,
A fronte do homem tocou,
Com infinita doçura
As magras mãos lhe cerrou…
Era o carinho inefável
De quem ao peito o criou.
Era a doçura da amada
Que amara com mais amor.
7 de dezembro de 1945.
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A próxima coluna será publicada sábado, 11 de julho de 2020.