Vitor e Rosa casaram-se. Rosa passava o dia cuidando da casa, costurando e vendo tevê. Vitor não queria que ela trabalhasse fora, nem mesmo que aceitasse costurar para a vizinhança. Pouco tempo depois de casados Rosa ficou grávida. Aprendeu crochê e tricô para fazer o enxoval do bebê. Vitor trazia presentes com frequência para a esposa. Como era marceneiro, fez um lindo berço de madeira.
Em uma manhã de sábado nasceu Luana. Ana Maria queria estar mais presente na vida da neta e da filha. Com o tempo, Vitor implicou com as visitas frequentes da sogra, que passaram a acontecer somente na sua presença, uma vez por semana. Vitor tinha ciúme de Rosa. Tinha ciúme, inclusive, dela com o bebê. Rosa estava proibida de sair de casa, mesmo que fosse para ir ao mercado ou atender o portão. Nem à casa de sua cunhada, Berenice, sua vizinha, ela podia ir sozinha. A jovem sentia-se triste. Era prisioneira em sua própria casa.
Para não piorar a situação, ela omitiu do marido que o cunhado Eraldo dava em cima dela com frequência. Contou à única visita que recebia, sua amiga Marluce, que Eraldo havia tentado beijá-la a força outro dia e que só conseguiu escapar porque ele ouviu Berenice chegando da padaria. Rosa passou a trancar a casa durante o dia com medo do cunhado. Só ficava relaxada quando tinha certeza de que ele estava no trabalho.
Quando Luana ia completar três anos, Rosa e Vitor resolveram fazer um almoço para a família. Ana Maria não pôde ir, pois estava com um resfriado muito forte. Como ela havia feito um bolo para a neta, Rosa foi buscar. Mãe e filha passaram a tarde juntas. Conversaram, choraram e se lamentaram de se verem tão pouco.
Rosa voltou para casa de carona com um casal, vizinho de sua mãe. O marido a viu chegando e não gostou. Gritou com Rosa e a recebeu com um tapa no rosto. Tiveram uma de suas piores brigas. Rosa sentiu medo, decepção, raiva. Ameaçou ir embora de casa. Foi empurrada contra a parede. Vitor ameaçou que se ela fosse embora jamais veria a filha outra vez. Rosa chorou. Seu marido havia se tornado um homem possessivo, ciumento e violento. Na mesma semana, Vitor pediu que seu amigo e cunhado, Eraldo, vigiasse Rosa sempre que estivesse por perto. Eraldo alimentava o ciúme de Vitor.
Rosa hesitou contar para o marido que estava grávida. Já não tinha certeza sobre as reações de Vitor. Quando a barriga estava quase aparecendo, na décima terceira semana, ela tomou coragem e contou, mas mentiu sobre o tempo de gestação. Tinha muito medo de que ele brigasse com ela mesmo sem motivo. Como explicar que ela sentia pavor dele? Ainda assim, ela mais uma vez pensou que tudo ficaria bem, pois Vitor estava radiante com a notícia de que teria outro filho. Ele passou a ficar mais em casa, era carinhoso com Rosa e continuava mimando a pequena Luana.
Cerca de dois meses se passaram. Era aniversário de Rosa e ela preparava o jantar. Ana Maria esteve na casa da filha mais cedo, havia trazido de presente uma camisola e tecidos para Rosa fazer novos vestidos para sua neta. Vitor tinha saído com Eraldo, que disse precisar desabafar com o cunhado. Voltariam antes do jantar.
Eraldo iniciou a conversa aos prantos, dizendo estar triste por ter que se abrir com o seu grande amigo, pois sabia que o cunhado estava em uma fase muito feliz com a família, mas que não podia deixar que ele continuasse a ser enganado por sua esposa. Afirmou, então, que a criança que Rosa esperava não era filha de Vitor, e sim dele, que Rosa o havia seduzido em um dia que ele estava fora de si. Vitor, transtornado, deu um soco no cunhado e foi embora para casa.
Rosa recebeu-o com um beijo. Percebeu que o marido estava ofegante e tenso. Tentou conversar, mas Vitor permanecia calado. Disse que Luana estava na casa da tia, para que eles tivessem um jantar a dois.
— A dois? — Vitor murmurou.
—Não sou mais uma, não é mesmo? Mas não tira o romantismo do nosso jantar, Vitor! — disse Rosa, sorrindo.
Rosa levantou-se para tirar o assado do forno. Vitor pegou uma faca grande de cortar carne. Ouvia a mulher falando, ainda de costas, e era como se a voz dela ficasse cada vez mais distante à medida que ele se aproximava. Rosa estava prestes a se virar com a travessa de carne nas mãos, quando foi contida com força pelo marido. Rosa sentiu algo gelado perfurar suas costas. Depois veio uma dor aguda.
A travessa com a carne caiu no chão e Rosa tombou morta ao lado.
| conto originalmente publicado na coletânea Laudelinas, 2020, no [link]. |
Christiane Angelotti é editora de Literatura Infantojuvenil e de Educação, e criadora do site Para Educar.