Novidade inicialmente planejada para sair com exclusividade nas edições trimestrais da revista gueto, nas versões dos formatos PDF, MOBI E EPUB, esta coluna Últimas Páginas (o nome já diz, entrarão nas páginas finais da revista) trará crônicas e informações sobre literatura, arte, política e demais assuntos de interesse de seu colunista, nosso editor-chefe, o escritor Rodrigo Novaes de Almeida. Mas a quarentena fez com que mudássemos os nossos planos. Pelo menos durante o confinamento, a coluna será aqui no portal e semanal, sempre aos sábados, para não alterar a programação das publicações semanais de segunda a sexta. Hoje, publicamos a sétima. Bem-vindxs!
Por Rodrigo Novaes de Almeida
CRÔNICA
Fuga para as estrelas
Rio de Janeiro, 27 de junho de 2020.
Estou por fora das novidades do gênero de ficção científica na literatura, o último autor que li além dos clássicos foi China Miéville, com a obra A cidade e a cidade. No entanto, quando estou realmente cansado do trabalho, do cotidiano e até das leituras obrigatórias bastante comuns a um editor, como também dos noticiários e das pessoas do meu dia a dia, tenho uma fuga por hábito há cerca de vinte e cinco anos: reler os livros da saga Fundação, de Isaac Asimov, ou os da saga Rama, de Arthur C. Clarke.
Ano passado reli os cinco livros da saga de Asimov, que descrevem em detalhes a História, com H maiúsculo, de um futuro distante da humanidade, espalhada pela galáxia. Governada por um imperador, a civilização corre o risco de se fragmentar com a queda do império. A premissa da narrativa é o livro de Edward Gibbon, Declínio e queda do Império Romano. Para evitar essa fragmentação, um psicohistoriador (uma nova ciência inventada pelo autor) decide criar um grupo de enciclopedistas para reunir todo o conhecimento da humanidade. Acompanhamos quase mil anos de aventura dos seres humanos para recuperar a unidade perdida.
Agora, durante a quarentena, sem conseguir realmente fixar a leitura em um único livro (vinha lendo vários, ou fragmentos deles, não concluindo de fato nenhum), decidi reler a saga de Arthur C. Clarke*. São quatro livros, o primeiro — Encontro com Rama — lido no sábado passado. Uma gigantesca nave alienígena, um cilindro medindo cerca de 50 quilômetros de comprimento, chega ao nosso sistema solar, desencadeando uma série de acontecimentos (e levantando várias questões existenciais, já que é a comprovação de que não estamos sozinhos no universo, pensamento, aliás, demasiadamente arrogante de nossa parte) que levará um grupo de seres humanos a viajar pela galáxia.
Entrar em naves espaciais e percorrer, portanto, a galáxia em aventuras é para mim a fuga perfeita para esquecer completamente esse nosso mundo cada vez menos propenso a olhar para novos e instigantes futuros possíveis em vez de repetir o que existe de mais atrasado em nosso passado, uma mistura de ladainhas fundamentalistas baseadas em uma religiosidade arcaica e tacanha e de um viés ideológico anticiência e anti-iluminista. Infelizmente, não são apenas o Brasil e os Estados Unidos que passam por isso, cada um com suas características particulares, mas boa parte do globo. É um sinal da década, um triste e terrível sinal.
O fato de termos um presidente da República mau, e não simplesmente ruim, mas essencialmente mau e sem empatia alguma, despreparado e burro, uma burrice assassina, que algum dia o levará a prestar contas no tribunal de Haia (assim espero!), nos deixa ainda mais exaustos. Sonhar com as estrelas é a minha fuga, um intervalo que me dou o direito a fim de limpar a mente e voltar com energia para lidar com esse nosso mundo e responder à barbárie.
* As três continuações do clássico Encontro com Rama foram escritas em parceria com o engenheiro-chefe de importantes missões da NASA Gentry Lee.
CITAÇÕES SOBRE GUERRA
“Guerras produzem suas fraudes verbais e frases antissépticas, como ‘dano colateral’. Mas assassinato tem de ser chamado pelo que é: assassinato.” (Robert Fisk, correspondente do jornal britânico Independent)
“Se você nunca viu uma batalha, sua educação foi negligenciada. Afinal, a guerra sempre foi uma das principais funções da Humanidade. Se não vir homens lutando, terá perdido algo fundamental.” (Herbert Matthews, correspondente na Segunda Guerra Mundial)
“Foi um belo dia aquele dia.” (Ernest Hemingway, se referindo ao dia em que encontrou soldados da resistência marchando para Paris na Segunda Guerra Mundial)
POESIA
A QUEIMA DOS LIVROS
(de Bertolt Brecht, tradução de Paulo César de Souza)
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista de livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
DICA DE LEITURA
1. O poema “Festim em tempo de peste”, do poeta russo Alexander S. Púschkin, com tradução e introdução do professor da USP Boris Schnaiderman, publicado em edição da Revista USP.
Link: https://bit.ly/usp_puschkin
DICAS PARA ASSISTIR
1. Cineclube Vladimir Herzog disponibiliza filmes clássicos no seu canal no Youtube. Confira no [link].
2. O site que simula um passeio de carro por cidades do mundo. No projeto Drive and Listen, é possível visualizar as ruas e ouvir a rádio local de diversos lugares. Confira no [link].
CITAÇÃO
“Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência.” (Guimarães Rosa)
A próxima coluna será publicada sábado, 4 de julho de 2020.