três contos sobre mães, de Dirce Waltrick do Amarante

A ÓRFÃ

Certa vez, uma menina foi passar o verão na casa de praia dos tios dela, que era perto da casa da minha avó (nessa época, meu avô já tinha morrido). Ela havia perdido a mãe e tinha a minha idade, estava com os tios e primos para se distrair.

Foi um verão angustiante. A presença daquela menina me fazia lembrar que eu também poderia perder a minha mãe.

Nós brincávamos de pega-ladrão, mas a brincadeira, naquele ano, era estranha, sombria. Eu achava que a mãe dela estava em todos os lugares, sempre olhando para a filha. Quando eu me escondia, tinha medo de olhar ao redor e ver a mãe dela ali do meu lado olhando para a filha. Se ela estivesse ali, eu a devolveria para a menina… mas ela nunca apareceu.

Tinha muita pena da órfã e ao mesmo tempo queria que ela não estivesse ali, porque ela me lembrava a morte, a morte da minha mãe. Naquele verão, por algum motivo, ouvimos muitas músicas italianas, Sapore di Sale etc.; até hoje quando ouço essas músicas me lembro da menina e de que posso perder a minha mãe.

AMOR DE MÃE

Eu vivia doente ou fazendo coisas que não devia: uma vez atravessei as brasas de uma fogueira com um tamanquinho de madeira, que grudou nos meus pés. Minha mãe passou boa parte daquele verão abanando meus pés, meu irmão também abanava.

Outra vez fiz picolés para vender, mas fiz com água da torneira e, como ninguém comprou, eu os chupei e fiquei com tifo. Minha mãe passou boa parte desse outro verão comigo sob o chuveiro ou no hospital para baixar a minha febre.

Nessas horas a minha mãe era bastante presente. Depois, cresci saudável.

ENQUANTO MINHA MÃE DORMIA

Minha mãe acordava tarde. Quando voltávamos da escola, ao meio-dia, ela ainda estava dormindo e não podíamos fazer barulho porque ela ficava brava. Abríamos a porta do quarto dela e ela brigava. Muitas vezes eu ficava no quarto, no escuro, sentada na frente da sua cama, em uma cadeira de madeira preta com detalhes em dourado, encosto desconfortável e assento almofadado de veludo amarelo. Eu me encostava na cadeira e ficava esperando ela acordar. As minhas costas doíam.

Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de Cem encontros ilustrados (Editora Iluminuras).