quatro poemas de Andri Carvão

boeda gum dariz endubido

U beu dariz esbirrou e voi
Ranho ba dudo gue é lado
U beu dariz esbirrou e voi
Esdrondoso ba garaio
U beu dariz esbirrou e voi
Uba lava vulgâniga zó
Um jado dal bus e zuor

U beu dariz esgorrendo
Bingou no gavé da banhã
U beu dariz esgorrendo
Bingou no jhá da darde
U beu dariz esgorrendo
Bingou na binha gobida
E desdemberou binha vida

U beu dariz endubido
Gomo bia ou vaso zanidário
U beu dariz endubido
E os olhos lagribejando
U beu dariz endubido
E uba boleza no gorbo
Boribundo é beio bordo

Esbirro em gis
Ai o beu dariz
Eu zou veliz
Bor um driz
Be diga be diz
U gue gue eu viz
Eu berezo blease
U bal bela raiz
Arranga beu dariz
Zeu desinveliz

Um rolo de babel no vim
Um rolo de babel usado
Um rolo de babel no zesdo
Um rolo de babel esgrebinhado

o tempo e o vento
para uma cantora brasileira

O vento veeem
O vento vaaai

O vento também pode sambar [3x]
Só pra mim sopra você
[sopro do vento com a boca]

Se você vem
Eu vou também
Vamos de trem
Uai

Tá tudo bem
Tô tao tão zen
Te amo amém
Ai ai

O meu seu gen
Vira neném
Quando alguém
Me sai

Eu sou de quem
Sou de ninguém
E o quê que tem
Meu pai

Me leva além
Quem vai aquém
Só vou a cem
Bye bye

guömundsdòttir

na praia entre as pedras
Guömundsdòttir canta um canto triste e visceral
sua voz singular de timbres incomuns
textura vocal límpida e cristalina
voz de peito médio-grave cavernosa
linguagem própria
Guömundsdòttir voz e visual
seus parangolés multicolores esvoaçantes ao vento
sua expressão corporal
seu magnetismo no olhar
de seu corpo emana a música das esferas
e no horizonte distante gaivotas sobrevoam o farol

Guömundsdòttir não cabe em si
por isso se lacera e se
desdobra em um duplo de Guömundsdòttir
como um espelho do sol a refletir
nas águas em círculos concêntricos a reverberar
numa divisão tripartite de Guömundsdòttir
uma profusão de vozes sobrepostas como o zoar
de uma nuvem de insetos
a domar e a dominar mentes humanas
nossas almas mundanas e capturá-las
para o interior de si

imerso no alagado
somos conduzidos pelas mãos de Guömundsdòttir
da lama da terra rachada
ao buraco da cratera da gruta
no centro do túnel que se abre
no coração das trevas e somos
deixados sós ali
cravados
petrificados
largados lá
de um lado o lado sombrio
do lado oposto o lado iluminado
o lado iluminado nos chama e pensamos
em correr até ele o mais rápido possível
o mais rápido que pudermos
mas não
no lado sombrio uma horda invisível nos observa
qualquer
passo em falso
respiração opressa
movimento brusco
pulsação
por menor que seja
é um belo motivo para o ataque
por isso não nos movemos
não não nos atrevemos
estáticos e elétricos
hipnotizados pelo canto gutural de Guömundsdòttir

Guömundsdòttir
some e reaparece
some e desaparece
pisca na nossa frente
grita e silencia por SOS
chama e se distancia
nos envolve nos abraça
nos acolhe
nos toca depois foge
se encolhe e explode

a gruta é o canal da laringe de Guömundsdòttir
escorregamos como num tobogã língua adentro
que nos conduz da sua voz direto ao seu coração
e de lá até o útero
origem do homem
origem do fruto
origem do mundo

e então renascemos
revigorados
envoltos na placenta do fundo do mar
rochas flutuantes como águas vivas medusas
ilhas em formação
Guömundsdòttir
vulva voadora vulva sonora
que vibra e nos olha
G I G A N T E
que gesticula e ejacula vida verdejante

você me lava feito um vulcão

o poeta pobre

O poeta pobre era o preferido de Hitler.
O poeta miserável, o poeta faminto.
O poeta devia morrer dormindo.
Mas o poeta se suicida.
O poeta se embriaga e se mata,
bebe até cair na sarjeta,
bebe até morrer.
O poeta é a ponte.
O poeta usa a corda como gravata.
O poeta dá um tiro no peito.
O poeta dá um tiro na boca.
O poeta dá um tiro na ideia.
O poeta é um passarinho de chafariz,
presa fácil para os gaviões.
O poeta que consegue viver da escrita
escreve prosa.
O poeta boêmio. O poeta solteiro.
De preferência sem filhos.
O poeta sem eira nem beira.
O poeta que só dá conta de si e das coisas do espírito.
O poeta pé sujo dorme na rua.
O poeta depende da caridade dos amigos
e dos conhecidos. O poeta na pior
grato por saber que podia ser pior.
O poeta lido por outros poetas,
poetas amigos e detratores.
O poeta é um bicho estranho,
é um troço, um treco esquisito,
um sem lugar.
Poeta bom é poeta morto.
A poesia tem que acabar.

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA — Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, há colaborações do autor nas publicações: Labirinto Literário, Libertinagem, Gueto, Aluvião, Originais Reprovados, Subversa, Ruído Manifesto, O RelevO, Bibliofilia, Escrita Droide, Germina, Mallarmargens; foi colunista do site Educa2 e participou das antologias: Gengibre — Diálogos para o Coração das Putas e dos Homens Mortos, Embaçadíssima — Antologia Tirada de uma Notícia de Jornal (ambas pela Editora Appaloosa), 7 Dias Cortando as Pontas dos Dedos (nº 1: um manifesto contra o fascismo e nº 3: edição do caos), organizadas por Rojefferson de Moraes, do livro homenagem a Rubens Jardim, e Antologia Ruínas (Editora Patuá). Publicou Polifemo em Lilipute e outros contos (Editora Appaloosa), O Poeta e a Cidade (Edição Gueto #9), Puizya Pop & Outros Bagaços no Abismo, organizou o livro coletivo Marielle’s (ambos pela Scenarium), Um Sol Para Cada Montanha (Chiado Books) e Poemas do Golpe (Editora Patuá). Integra o Coletivo de Literatura Glauco Mattoso, criado pelo prof.º Antonio Vicente Seraphim Pietroforte.