dois poemas de Ma Njanu

desaforo ao pai

no sagrado o lugar
ele me diz quando
atravesso os sons de
lauryn hill e

para as voltas em
meu turbante,

carícia tanina,

a beleza das uvas
ou as romãs velhas
amargurar à boca,

don’t touch my hair,
filha.

sociopatia é seu desabrochar
de mim — às investidas

memórias vivíssimas
do teu sub cons ciente

quando domingava aurora:
decerto é melhor se fazer
louca

bestialmente autoanuncia-se o mal

que tem dessas coisas:
não sabe guardar-se

escondido é o tremor
a vergonha

afundar-se em desonra
o ventre yorubá
que te alimentou —

não volto
há mil pedaços
de asco
nas tuas mãos —

impossíveis de qualquer
ternura

um mau cheiro inabalável
teu violento hálito

a bostejar que ama tantas pretas

por isso se afastam
de ti os beijos

a saber de teu ódio

apenas o idiota estraga
o próprio veneno, ou
talvez os suicidas —

me faço viva
se chega a noite
em tua cama uma tormenta:

de que o feito se multiplica — pro bem ou pro mal

e de longe tua incontestável mentira
não passam de

delírios delírios.

ciranda tupinambá ou réquiem para curumim

vestiam-se nas palhas pequeninas flores dançantes, o som
ao redor tilintava nos babaçus o ar mítico de tupã —

em noites chuvosas as crianças se abriam ozumbigos
na floresta
pra saudar jaci radiante, lançada

nua
às águas.

dali, do buraco
sairiam estripulias das mais puras diabruras y
também cada golpe terrível quando chutavam nosso cocar

ó jaci, que formosura tua boca
sorver cada fissura, somente tua ternura
se chama demarcação.

nem a funai para as crianci’as y
mi a mãe
traríate de volta como as araras
escondidas, puro assombro
dos latifúndios

e nas pistolas dos
fazendeiros

quando otra vez vimos cair os menino um a um na beira
do rio

come víscera, jaci

se faz neles
encantamento

a mata é tua magia alua os mirim
beija tupã e goza goza

haverá o dia e a noite que tudo será teu, lua.

Ma Njanu é escritora, poeta e educadora popular. Nasceu em Fortaleza-CE, onde vive atualmente. Publicou a obra na boca do dragão da américa latina (2020), de forma independente, e participa de antologias, zines e outras publicações. É idealizadora do Clube de Leitoras de Fortaleza e integra a Pretarau — Sarau das Pretas, coletiva de poetas negras, da qual também é produtora cultural.