para Valéry
Entre o cálculo e a imaginação compareço pássaro.
vozes
O ventre abaúla
vozes muitas
alheias vozes e vozes
já minhas emprenham
_____vozes
pés avós ainda ardem
cantantes
e sempre bailam
e alvos ondulam
nos gestos
nas sortes
enraízo estrelas
_____primevos compassos
_____palmas longas e
_____longínquas palmas
_____línguas
_____cintilam o sempre
_____canto ancestre
cruzo com cinzas
corpos puros
asas vozes translúcidas
anjos que víboras valsam
e na superfície das águas
abaúlam
o ventre das vozes
_____das
_____muitas vozes
_____das
alheias_____vozes
_____já tão nossas
__________vozes
suspeita
Lambe silêncios pelo pescoço
o corpo turvo
herege
curvas almas sanguíneas.
No soluço do poema
já recém
esquecido
quase
criado
_____rasteja o altivo
sem necessidade do que
sempre está
no sal dos ossos
vibra gota arenosa
o ser em si
sem saber
o sabor
de quem ainda é.
vaga
Queria plantar a semente do mar nas montanhas que rastejam
o cimo do céu.
Queria plantar o peixe no seio da terra
colher em rosas.
Queria plantar o murmúrio das lesmas no vento
de gota vencida.
Queria asas leitosas para só desaprender
bem devagar.
lírica
A página
janela branca
prescinde da
imagem
retrato
nada mais
real.
Rascunho linhas formas sementes.
Não é possível interpretar
encarna.
Não é preciso compreender
enreda.
Só permanece enigma
concha gritante
ao nascer.
nuclear
Dioniso nos abisma
expõe a carne do outro
que nos habita.
_______________É assim:
_____um arco-íris com escamas espraia-se.
_______________Uma górgona
_______________potência uma
_______________honra uma
_______________queda uma
_______________existência uma
_______________masmorra:
_______________Perseu perece.
A lógicaespelho fracassa.
Fracasso: a nossa pedra
horror é sempre?
Habito o luciferino
hábito.
Habita o outro
a carne que nos expõe.
Habite-nos,
_______________Dioniso.
sina
Ter escamas nos olhos
é jamais perder os
escombros em vida.
encanto
Das escamas
restam pérolas
asas pétalas
pássaros que
nadam o
peixe corpo
da sereia.
Nathaly Felipe Ferreira Alves nasceu em 1988, em Mauá, São Paulo, onde vive. É doutoranda em Teoria e História Literária pelo IEL/Unicamp. Trabalhou com educação pública por nove anos e acredita em sua potência, mesmo com tantas dificuldades. É ganhadora do Prêmio Maraã de Poesia 2019. Seu livro de estreia está no prelo, em coedição das editoras Reformatório e Patuá.