A gueto publica entre março e junho textos de ficção e de não ficção dos autores convidados da Printemps Littéraire Brésilien a partir do tema norteador deste ano: Brasil: (im)possíveis diálogos. Os textos vão ao ar primeiro individualmente aqui no portal e depois serão reunidos em e-book (orgs. Leonardo Tonus e Christiane Angelotti) para download gratuito.
horas rosas
Por Leonardo Tonus
a Pierre Seel, sobrevivente do campo de concentração de Schirmeck-Vorbrück, deportado por ser homossexual

tu és pedra
és alma
tu és relva—alva,
água malva—
viva de pai
mãe e filha.
tu és de Marília
a invertida,
eros travestida em prosa
de uma vida prosa
por tua ventura maligna,
pérfida pétala
de fim de mundo
neste fim do mundo
em que tu resides.
mundo em flor
mundo e flor
tu és minha flor
minha rosa,
rosamundo
de um mundo rosa
mundo em rosa
sem as rosas
de Rosa.
Rrosa judia
tu és a vadia,
minha asquerosa Selavy.
tu és seio em devaneio
de minhas noites carmim
em minhas noites escarlate
sem o esmalte
que lasca
que falta
pelos dias afins.
tu, a que se perde,
a boca oca
da elipse rota
da brecha púrpura sem fim.
do avesso ao avesso
pelo avesso
tu és a informe
o avesso disforme
que não se concebe
que nada concebe.
tu que pelos claustros erravas
que os mastros navegavas
os astros
até o astro-rosa
que ao peito levavas.
antes que os cães te devorassem
teus beiços arrancassem
os pelos lambessem
do teu pênis
de teus braços
do que foram abraços
que foram corpo
fora do corpo
hoje morto.
teu corpo,
pedra—alma,
pedra e alma,
cujos olhos ainda exalam o azul dos icebergs,
e as borrascas do Alasca!
Leonardo Tonus é professor Livre Docente em literatura brasileira no Departamento de Estudos Lusófonos na Sorbonne Université (França). Membro do Conselho Editorial e do Comitê de Redação de diversas revistas internacionais, atua nas áreas de literatura brasileira contemporânea, teoria literária e literatura comparada com pesquisa sobre imigração. Em 2014 foi condecorado pelo Ministério de Educação francês Chevalier das Palmas Acadêmicas e, em 2015, Chevalier das Artes e das Letras pelo Ministério da Cultura francês. Foi Curador do Salon du Livre de Paris de 2015 que teve o Brasil como país homenageado e, em 2016, da exposição Oswald de Andrade: passeur anthropophage no Centre Georges Pompidou (França). É o idealizador e organizador desde 2014 do festival literário internacional Printemps Littéraire Brésilien. Participou da Delegação Oficial brasileira no Salão do Livro de Göteburg (Suécia) em 2014 e 2016 e atuou como moderador de diversos eventos literários internacionais (Flip, 2017; Salon du Livre de Paris, entre 2012 e 2018, Salão do Livro de Göteburg, 2014 e 2016). Publicou artigos acadêmicos sobre autores brasileiros contemporâneos e coordenou a publicação, entre outros, dos ensaios inéditos do escritor Samuel Rawet (Samuel Rawet: ensaios reunidos, 2008), do número 41 da Revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, da edição especial da Revista Ibéric@l, em torno da nova cena literária no Brasil e das antologias La littérature brésilienne contemporaine — spécial Salon du Livre de Paris 2015 (Revista Pessoa, 2015), Olhar Paris (Editora Nós, 2016), Escrever Berlim (Editora Nós, 2017) e Min al mahjar ila al watan (Da Terra de Migração Para a Terra Natal, Revista Pessoa/Editora Mombak; Abu Dhabi Departement of Culture and Tourism/Kalima, 2019). Em 2018 lançou sua primeira coletânea de poesias intitulada Agora Vai Ser Assim (Editora Nós, 2018) e vários de seus poemas já tiveram publicação em antologias e revistas nacionais (A resistência dos vaga-lumes, 2019; Em tempos de pós-democracia, 2019; O que resta das coisas, 2018 — finalista do Prêmio Ages 2019) e internacionais (Aosnovoiorquinos, New York, 2019). Seu livro mais recente é Inquietações em tempos de insônia (poesia, Editora Nós, 2019).