A gueto publica entre março e junho textos de ficção e de não ficção dos autores convidados da Printemps Littéraire Brésilien a partir do tema norteador deste ano: Brasil: (im)possíveis diálogos. Os textos vão ao ar primeiro individualmente aqui no portal e depois serão reunidos em e-book (orgs. Leonardo Tonus e Christiane Angelotti) para download gratuito.
Janaína
Por Flávia Rocha

Janaína talvez perca
a guarda dos filhos. Distraiu-se
e o bebê se queimou
na prancha de alisar o cabelo.
Dali foi um pulo. Nunca
terminou de encher a banheira
para lavar as crianças.
O medo do leva
não leva ao médico
escreve negligência
num formulário, interpreta
como estatística o que se sabe
de uma mãe: negra
solteira, pobre. Que ela ame
os filhos é circunstancial
que os filhos a amem
é alguma esperança.
Neblina de fumo
Por Flávia Rocha
Tambores despertam santos
na neblina de fumo.
Entramos —
galhos cruzados fechando as estrelas.
Minhas mãos sobre os seus ombros
no túnel da infância.
Tambor pausa.
A entidade se aproxima.
Na voz escura
a entidade se acriança
solta os fios dos cabelos
com seus dedos invisíveis
acha graça de estarmos ali.
A mãe diz espera —
Velas tremulam no escuro,
abrem os olhos dos santos.
Tumulto no altar de perfumes.
Tambor pausa —
Que coisa linda. Que coisa linda.
O pêndulo de mistério rosna e brada.
A mãe chama os santos em torno.
Poesia — Poesia —
Flávia Rocha é autora de três livros de poemas: A Casa Azul ao Meio-Dia (Travessa dos Editores, 2009), Quartos Habitáveis (Confraria do Vento, 2011) e Um País (Confraria do Vento, 2005). Seus poemas, traduções e ensaios foram publicados em diversas revistas brasileiras e internacionais. Tem mestrado em Escrita Criativa pela Columbia University, e por 13 anos foi editora da revista literária americana Rattapallax. É também jornalista e roteirista. Atualmente vive em Portland, Oregon, Estados Unidos.