quatro poemas para o livro de um amigo, de Jozias Benedicto

[1]

“Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.”
(Wisława Skymborska)

um livro sobre o voo
sobre o tempo e suas artimanhas
sobre o passado
e sobre um futuro que logo é presente e logo é passado

é um livro sobre um cubo e ele tem asas
— um cubo ao qual chamamos de casa —
solo, pátria, mãe, moradia, lume
um livro sobre mecanismos para contar o tempo

este é um livro sobre pássaros
e suas rotas
sobre paisagens terrenas divinizadas

é um livro sobre conter o tempo
sobre buscas e reencontros,
um livro sobre o desejo.

[2]

“O tempo o mesmo tempo de si chora.”
(Luís de Camões)

o livro é como uma bala prateada sobrevoando a cidade
sobre todas as cidades e moradias humanas
sobre amores e ansiedades
cristalinos iconoclastas

este livro é sobre navegantes e navegadores
sobre os sete mares dos sete vezes sete universos
sobre risos e lágrimas, sobre o farfalhar
de miríades de borboletas todas chamadas “tempo”

ah, este vagar por espaços
por tempos
por amores e por eternidades,

este querer ser dois e ser um,
este querer guardar e querer gastar,
este eu de mim mesmo chorando.

[3]

“Vivem de pouco pão e luar.”
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

lembro das lições de caligrafia
lembro das agendas rasuradas e esquecidas
lembro de línguas mortas e beijos ocultos
da lua cheia que nos enlouquecia

o mar ao longe, as ondas pálidas, o reflexo
ardente da lua nas águas
as passagens que a nenhum lugar levavam
rezas anáguas novenas jejuns e confissões

as recordações, as nuvens, o cheiro de chuva
flores que duravam apenas um dia
cantos sussurros e segredos

ruas de pedras, sobrados e azulejos
memórias
luar

[4]

“Vê-se, como tão rápido anoiteço.”
(Sousândrade)

se as manhãs trouxeram a vida e o amor
o sol dos dias
os dias que se seguem aos dias
como soldados marchando incessantes sob o sol

se as tardes vieram com flores e humores,
chás e febres
visitas inesperadas e sinos ao longe
cheiro de bolo de laranja e canela

as noites trouxeram perigos —
o esperar de alguém que nunca chega
a gargalhada descompassada ao longe

mas trouxeram também
a paciência e a temperança
as memórias guardadas nas folhas de um livro.

| os “Quatro poemas para o livro de um amigo” foram escritos para o livro Minhas verdades incompletas, do fotógrafo Denilson Machado (2020). |

Jozias Benedicto é escritor e artista visual, com especialização em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela PUC-Rio. Participou da XVI Bienal de São Paulo, em 1981. Trabalha com videoinstalações, performances e pinturas que unem literatura e artes visuais. Seu primeiro livro de contos, Estranhas criaturas noturnas (Editora Apicuri, 2013), foi finalista do Concurso Sesc de Literatura 2012/2013. Como não aprender a nadar (Editora Apicuri, 2016) conquistou o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais 2014 na categoria Contos e o Prêmio Moacyr Scliar 2019, da Diretoria da UBE-RJ. Recebeu, ainda, premiações da Fundação Cultural do Pará (2018) por Um livro quase vermelho e da Fundação Cultural do Maranhão (2018) por Aqui até o céu escreve ficção, sendo editado pela Editora Patuá. Em 2019 lançou, pela Editora Urutau, um livro de poesia, Erotiscências & embustes.