mandrágoras
Nas profundezas escolho e colho
Tem que ser muito fêmea
Pra saber lavoura
Pedra, praga, erva daninha
Terra que não ajuda, chuva pouca
Nada de alfaces, a folha verde e suave:
Eu só arranco tubérculos.
a teia
Presa
A aranha
Tece
o tamanho da fila
Olhe para trás
Sua fila
Todos esperam
O que você não tem
E você não diz
Eles têm olhos pedintes
E você quer fugir
A fila persegue
Olhe para trás
Melhore ou piore
A fila é insensível
E estendem a mão
E você não dorme
Tem pesadelos
A fila penetra
Seus sonhos
Você quer explodir
Quer mandar ao alto
A fila em pedaços
Mas o vendedor
Da nitroglicerina
Também vai para a fila
Você olha para os lados
Vê a fila dos outros
E vê você próprio
Várias vezes
Noutras filas.
o ovo
A Solidão botou um ovo
Azul, grande, esperançoso
A Solidão sonhou em ser
Para sempre acompanhada
A Solidão chocou sozinha
Meses, anos, séculos a fio
Seu mudo ovo gorado.
esculturas vivas
Repare nas mães
Tendo ao colo filhos dormindo:
Pietás de carne e osso
Carregando destinos.
necrose
Tem coisa que dá errada
É certo
É saber escrever, dar ponto
Final com linha cirúrgica
Torcer que feche e ajudar
Não abrindo com os dedos
Ferida
Mas cheia de apego, a memória
Quer a sobra do amor
E gangrena.
Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, Editora Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (Editora Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (Editora Confraria do Vento, 2015), Enlouquecer é ganhar mil pássaros (e-book pela Vida Secreta, no Issuu, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (Editora Penalux, 2018) e Arraial do Curral del Rey (Conceito Editorial, 2019).