envelhecer, poema de Helena Arruda

aos 53 anos tive um insight na banheira
e
percebi que fui sendo tudo na vida
fui sendo criança sem saber
sendo adolescente sendo adulta
sendo mãe sendo velha
percebi aos 53 que não me preparei para
nada
a vida foi sendo e se desenrolando na minha frente assim
como uma árvore que vai crescendo e ficando verde e
ficando adulta e dando flores e frutos e amarelando
e caindo os frutos e continuando sem cessar sem cessar
percebi no espelho a minha cara lavada o meu corpo lavado
a minha flacidez e minha lentidão as minhas rugas e minhas mãos
percebi que não planejei a vida que ela foi acontecendo devagar e
rápida e devagar e rápida de novo e mais rápida ainda
e mais
percebi que não percebi nada e tudo foi indo e indo e tomando
proporção e eu ali meio silente meio falante fui indo
como uma pipa sem rabiola e voando e indo toda vida e
trabalhando sem cessar e vivendo um amontoado de coisas e
sendo mãe e sendo filha e sendo neta e
sendo aluna e sendo professora e
sendo irmã e sendo amiga
e sendo tudo ao mesmo tempo e
sendo mulher e sendo esposa e sendo traída
e sendo tantas e sendo eu mesma sempre e sendo tantas e sendo eu
e sendo
percebi hoje que agora posso planejar porque hoje fui acontecendo em mim
e fui percebendo o impercebível e fui vendo a minha velhice chegar e pensando
e acontecendo tudo de novo e eu sendo escritora e sendo poeta e sendo sempre
cansada e sendo mestranda e sendo doutoranda e sendo pesquisadora
vou descobrindo
e sendo tantas ao mesmo tempo
mas agora eu planejei que sendo uma sou muitas
e agora eu descobri que sou muitas e sou eu
porque sou muitas e sendo eu quero ser outras
e sendo outras quero ser eu
sendo de novo eu e outras e de novo
e assim a velhice chegando
agora vou me planejando para ficar mais velha e ter umas mazelas e sendo
e a menopausa chegando e eu sendo eu e sendo tantas
e meu assoalho pélvico envelhecendo e eu sendo eu e sendo tantas
e eu te traindo porque sendo eu fui ser outras
e eu me traindo porque sendo eu fui ser outras
e sendo outras queria ser eu de novo
e percebi que vou planejar e velhice
já que fui sendo tudo na vida quero um tempo só pra mim
para planejar a velhice
e sendo vou planejando e viajando
e sendo mãe e sendo irmã e sendo amiga e sendo adulta e sendo tantas
e sendo eu e sendo mulher e sendo madura
e sendo madura posso esverdear
e posso virar flor e posso ser semente e posso germinar
e posso nascer de novo
e sendo eu posso ser múltipla e posso ser madura
e posso ser comida
e posso ser eu mesma
e posso ser eu mesma
e posso envelhecer
sendo.

Helena Arruda nasceu em Petrópolis, RJ. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, pesquisadora e revisora, é autora dos livros Interditos — poemas (Batel, 2014) e Mulheres na ficção brasileira — ensaios (Batel, 2016). Publicou também nas antologias: Elas escrevem; Moedas para um barqueiro (Andross, 2011); Por detrás da cortina; Amor sem fim (Beco dos Poetas, 2012); A literatura das mulheres da floresta (Scortecci, 2013); Hoje é dia de hoje em dia: literatura brasileira do século XXI (Multifoco, 2013); Rio dos bons sinais (CMD, 2014); O protagonismo feminino (Scortecci, 2016); Escritor profissional (Oito e Meio, 2016); Mulherio das Letras (Costelas Felinas, 2017); Mulherio das Letras (Mariposa Cartonera, 2017); Tabu (Oito e Meio, 2017); Casa do Desejo (Patuá, 2018); Mulherio das Letras (Edição do Autor, 2018); Mulherio pela Paz (Edição do Autor, 2018); Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019); Ato Poético (Oficina Raquel, 2020); Ruínas (Patuá, 2020). Helena é também membro do corpo editorial da Revista Topus — espaço, literatura e outras artes, da UFTM. Atualmente, dedica-se ao seu primeiro livro de contos e à pesquisa acadêmica relacionada à literatura brasileira do século XXI. Este poema está no livro Corpos-sentidos, a ser lançado, ainda este ano, pela Editora Patuá.

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