um e outro
“Não tinham propriedade —
Um era a fazenda do outro.”
(Castro Alves, Gonzaga, 1867)
Um era a cor do outro,
Um será a igualdade do outro.
Um era a mão do outro,
Um será a cabeça do outro.
Um era a reza do outro,
Um será o grito outro.
Um era a falta do outro,
Um será o oceano do outro.
Um era o labirinto do outro,
Um será a liberdade do outro.
Um era a fome do outro,
Um será a colheita do outro.
Um era a passividade do outro,
Um será o gatilho do outro.
Um era o lamento do outro,
Um será o discurso do outro.
Um era o trapo do outro,
Um será a figura do outro.
Um era a ignorância do outro,
Um será o ensino do outro.
Um era a sede do outro,
Um será o amor do outro.
as palavras
Para Sheherazade
As palavras têm escamas
(peixes, alcachofras, cristais),
escorregam mão abaixo,
sabem sonegar sentidos
— podem ser tudo ou nada —,
abrem espaço de luz como um farol,
apagam num fusco de vaga-lume.
As palavras são o poema:
nosso suor essencial,
nossa dificuldade
(arrumação de escamas e sentidos),
nosso desespero de buscá-las
como um diamante,
as palavras,
as lavras,
as cintilâncias do desejo,
no fundo do verbo.
As palavras batem forte
no coração dos poetas.
Fernando da Rocha Peres tem vinte e três livros publicados. É Professor Emérito da Universidade Federal da Bahia. Desde 1957 atua na área cultural, em Salvador, quando fundou as Jogralescas (poesia teatralizada), a revista Mapa, a Yemanjá Filmes e as edições Macunaíma, com seus companheiros de geração. Entre 1974 e 2002 foi diretor do Iphan; para a Bahia e Sergipe, diretor presidente da Fundação Cultural de Estado da Bahia, pró-reitor de extensão e diretor do Centro de Estudos Baianos da UFBA. É da Academia de Letras da Bahia.