Sentada na fileira 14 de um avião que ia de Brasília a Florianópolis, participei, gratuitamente, de uma palestra motivacional proferida pela colega da poltrona ao lado. Com muita segurança e propriedade, a palestrante formulou, em quase duas horas de voo, as teses mais diversas: “devemos reconhecer nossas inteligências e desenvolvê-las” ou “somos a imagem e semelhança de Deus”. Não era a mim que ela se dirigia, mas à colega da poltrona ao lado da dela. Contudo, foi-me impossível escapar da sua ladainha, pois o voo estava cheio e eu não tinha para onde ir. O fato é que o que ela dizia, em tom bíblico, parecia chegar aos meus ouvidos antes de chegar aos ouvidos de sua real plateia.
A palestra não começou sem um introito em que a palestrante contou um pouco de seu percurso até aquele momento: era médica, mas a “medicina havia se tornado ‘pequena”’ para ela, depois que descobriu sua missão nesta vida, e sua missão era ser influenciadora. Explicou que temos os influenciados e os influenciadores e que, quando somos fortes, inteligentes e capazes, não nos deixamos influenciar, mas influenciamos. Aqui, desviei o olho do meu livro (sim, tentava ler sem sucesso um livro sobre Georgiana Houghton, a espiritualista inglesa considerada a precursora da arte abstrata) e olhei para ela com curiosidade; queria saber quem era aquela pessoa tão especial que sentara justo ao meu lado.
Sua ladainha prosseguiu com ela afirmando que sua missão era ensinar. Nesse momento, embora disfarçadamente, não pude mais tirar os olhos dela e até prestei atenção, pois sou professora e podia tirar algum proveito de sua sabedoria.
De repente, para a minha surpresa, ela disse que o que ensinava mesmo era economia e mostrou à sua plateia, com muito orgulho, um livro que acabara de ler, Chaves para a economia do céu, e profetizou: “Nele vamos reconhecer Jesus Cristo”. “Senhor!”, pensei, “não estou entendendo mais nada”.
Mas logo entendi que o livro, cujo título achei muito criativo, beirando o nonsense, era coisa séria, tratava de princípios econômicos ditados pelo Senhor. Um desses princípios, segundo a palestrante, era fazer a economia girar, e para fazê-la girar, disse ela, “temos que dar e receber; entretanto, não podemos esperar para receber primeiro, temos que dar início ao ciclo; então, temos que dar, doar, nos esvaziar e só depois…”. Não escutei o resto porque tive que ir ao banheiro, vou muito ao banheiro quando viajo de avião.
Quando voltei, ela já estava nas sete leis espirituais do sucesso, que eram citadas em inglês (ou algo parecido) e, em seguida, em português. Essa coisa de falar em duas línguas parecia dar mais credibilidade. A moça que a ouvia atentamente parecia embasbacada e disse: “Yo hablo español”.
A ladainha só teve fim quando chegamos a terra firme. No primeiro aviso de desatar os cintos, pulei da poltrona, peguei minhas tralhas e parti.
Disso tudo, confesso, ficou um aprendizado, do qual agora não me recordo.
Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de Cem encontros ilustrados (Editora Iluminuras).