migração
foi Maria
foi José
foi Rosana
Lílian foi também
e foram todos
foram
porque o Marcos foi
a Rosário
o Pedro Augusto
e também fulano de tal
alguns voltaram
ficaram
outros de férias
nessa via dupla
há perdidos
feridos
e há quem abalroou a morte
—
a vida parece longe
* * *
sou menino de rio
não de mar
não sei pegar ondas
não cabem em minhas mãos
no rio ninguém pega nada
e tudo cabe
quando se vê
já passou
* * *
I.
ele foi criança
há tempos
sei pelos álbuns de retrato
que certo dia vi
não me lembro mais
ele talvez
II.
outra vez foi jovem
embora sem fotos pra lembrar
foi pra escola
graduou-se pra vida
e jovem
nunca mais
* * *
das lápides
uma de minhas quatro bisavós
virou nome de rua
por ter uma neta rica na cidade
um avô de quinta geração
morreu assassino
por ser contra o presidente da província
e seu nome sumiu de nossas certidões
um outro bisavô
virou escola
já demolida há anos
(sobrou-lhe a experiência
de ter se deteriorado duas vezes)
* * *
da luz sem pressa
(a 300.000.000 km depois da hora)
há anos-luz
aquela estrela
— uma fotografia
de um calendário já dito
eu vi
eu vi
o passado eu vi
ainda lá. olha.
Mailson Furtado Viana é escritor, ator, diretor, produtor cultural e cirurgião-dentista. Com seu livro à cidade foi vencedor nas categorias de livro do ano e de poesia no Prêmio Jabuti 2018. Em Varjota, zona norte do Ceará, é produtor cultural da Casa de Arte CriAr, e desenvolve trabalhos como ator, diretor e dramaturgo e, atualmente, lidera a CIA teatral Criando Arte.