cinco poemas de Jorge Ivam Ferreira

berimbau
Para Mestre Jequié

Unindo as duas pontas dum cajado,
Um resistente fio de aço de pneu,
Cuja borracha o fogo derreteu,
Mantém-se para sempre esticado.

Para o som desse fio ser ampliado
E ficar belo como foi o de Orfeu,
Lixa-se até tirar-lhe a cor de breu.
Assim fica vibrante ao ser tocado.

Ata-se uma cumbuca de cabaça,
Serrada mais ou menos na metade
Como se fosse o bojo de uma taça.

Pondo ritmo, ginga e muita raça,
Pode-se percuti-lo com vontade.
Sua música gera transe e graça.

publicidade

Primeiro, a águia chega ao nosso toco
Com muita simpatia e assanhamento
E diz que é mister, nesse momento,
Preenchermos o branco oco do coco.

Depois nos aparece de mascate
Com muita lábia e muito atrevimento
E, para o referido preenchimento,
Nos quer vender caroço de abacate.

Contando com nossa credulidade,
Demonstra como a esférica semente
Se encaixa com total facilidade

No âmago da amêndoa carnuda,
Porém, se se apossar da nossa mente,
Nos venderá até de joio muda.

destinos

Se queria abater uma galinha,
Minha mãe apontava a escolhida
E me indicava um jeito, uma medida,
Para que a ave entrasse na cozinha.

Eu me aproximava da coitadinha,
Com um pouco de migalhas de pão
Que eu, devagar, ia atirando no chão,
Da forma ardilosa que me convinha.

A galinha acabava na panela.
Assim, acontece conosco um dia:
Sonhando com alguma bagatela,

Nós seguimos por falsas passarelas
E, por inexplicável ironia,
Terminamos a jazer entre velas.

cuidado com o cão

Spike, acamado num trapo,
A uma passada do umbral,
Dilui-se no breu da noite
Vigiando o meu quintal.

Embora seja um cão sagaz,
Não se oculta por astúcia,
Já que é cor de guarda-chuva
A sua nobre pelúcia.

Às vezes, ao abrir a porta,
Tropeço em sua negrura,
E ele se afasta ganindo,
Com ressentida amargura.

No átimo, peço desculpas
E esconjuro o desastrado
Que pusera o tal farrapo
Onde o cão ficou deitado.
(8/11/2008)

fordismo na floresta

Um pica-pau, outro beija-flor
Um papa-terra, outro papa-mel.
Um pintassilgo, outro pintarroxo.
Um rola-bosta, outro caga-sebo,
Um arranha-gato, outro assa-peixe
Um papa-capim, outro louva-a-deus.

Jorge Ivam Ferreira nasceu em Iaçu-BA em 1959. Mudou-se para a cidade de São Paulo em janeiro de 1978 e depois para Ubatuba, onde mora desde 1999. É casado, tem quatro filhos. Graduou-se em Letras, fez especialização em Literatura e mestrado em Linguística Aplicada. Atualmente é aposentado como professor da rede estadual de São Paulo e leciona em uma escola técnica municipal em Ubatuba. É coautor do livro de poemas SERTÃOMAR, publicação independente, e autor de Travessuras do Curupira, narrativa em versos, destinada ao público infantil — edição também independente. Adaptou e publicou em um livreto de cordel quatro lendas de Ubatuba. Foi premiado em algumas edições do concurso literário da FundArt de Ubatuba, participando com poemas, contos e crônicas.