o novo cinema nacional, de Dirce Waltrick do Amarante

Para o Sérgio

Mostrou o roteiro ao companheiro, era o roteiro de um filme gótico à moda dos romances de Shirley Jackson.

O companheiro, acostumado com Pasolini e Godard, ficou em choque ao ler o que a companheira havia escrito. Havia enredo! Erro fatal!

A companheira tentou explicar que muita coisa muda do papel para a tela. Além disso, as cenas, que pareceriam a princípio serem bastante simples, poderiam se tornar complexas e repetitivas, como quando a personagem toma banho e ouve uma briga. “O diretor pode filmar só a água escorrendo do chuveiro”. O companheiro seguiu incrédulo. Ela então completou: “E por cinco minutos… só a água escorrendo”. Mas o companheiro seguia em choque. “Por 15 minutos”, prosseguiu a roteirista. O companheiro esboçou uma leve reação.

Depois de algum tempo de conversa e muitas reflexões estéticas, o roteiro ganhou corpo e o diretor ideal.

Durante 90 minutos a câmera parada filmou a água escorrendo do chuveiro, a qual mudava de cor conforme os raios solares incidiam nela. As cores foram do vermelho rosado ao azul e o filme foi intitulado “As cores de Yves Klein”.

Dirce Waltrick do Amarante é professora da Universidade Federal de Santa Catarina, ensaísta e tradutora.