Diego é pereba. Íngua. Perna de pau. Inútil. Doença. Lepra. Comédia. Horrorosidade. Ameba. Bisonho.
Diogo joga o fino.
Quando chegam do campinho, idênticos, até as bicicletas iguais, o pai sempre sabe quem é quem. Como sabe?
— Tudo certo na pelada?
Diego é estrupício. Jaburu. Jaburu de capote. Jaburu de capote com muleta. Jacu baleado.
Diogo, eita moleque!
— Assim não dá! A gente passa a bola pra um achando que é o outro e se ferra.
Diego corre de ódio, pedala forte, voa ladeira abaixo e freia na poeira a um palmo do cruzamento cheio de caminhões zunindo. Diogo atrás, eufórico. Chegam sempre juntos.
— Tudo certo na pelada?
Enguiçado. Incapaz. Praga. Prego. Poste. Morto-vivo. Furúnculo. Tumor.
Hahaha, joga muito!
Com gilete, cuidado, culpa, sorrisinho, coração batendo forte: fio por fio, descasca o cabo de freio da bicicleta. Ficam uns poucos filamentos. O primeiro tranco e babau.
Degenerado. Imprestável. Retardado. Aborto. Aleijão. Ruindade.
No dia seguinte Diego chega em casa sozinho, chorando, e o pai se apavora. O choro não tem nada de encenado. A ideia era uma perna quebrada, não aquilo.
Todo errado. Cruz-credo. Deus me livre. Ruindade. Ruindade. Ruindade.
Sérgio Rodrigues é um escritor e jornalista mineiro que vive no Rio. Vencedor do prêmio de livro do ano do Portugal Telecom (atual Oceanos) com o romance O drible, em 2014, lançou este ano o volume de contos A visita de João Gilberto aos Novos Baianos. Entre os dez títulos que publicou, destacam-se ainda o romance Elza, a garota, o almanaque Viva a língua brasileira! e, como organizador, a coletânea Cartas brasileiras, todos editados pela Companhia das Letras. Sérgio tem livros lançados na França, na Espanha, em Portugal e nos EUA. É colunista semanal da Folha de S.Paulo e roteirista do programa de TV Conversa com Bial.