três poemas de Penélope Martins

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ela geme
ela grita
ela diz que vai morrer.
— eu morro.
joão tem um metro e oitenta e quatro, teresa não
passa de uma mulher de estatura pequena
contrário de maria, mulher longilínea feito
égua para antônio
ele puxa pelos seus cabelos, ela empina
— geme, grita, diz que vai morrer!
— eu morro.
pedro manipula os dias,
não dorme a noite conceição, os dedos
no gatilho, a senha bancária, a vizinhança que diz
— assim mesmo,
homem é assim mesmo.
ela geme, ela grita
ela diz que vai morrer.
— eu morro.
lúcio perde a razão
escandaliza na porta da seção
o chefe acena na despedida
— faz vergonha, rita
vê se não geme, vê se não grita.
morrer é melhor saída.

canção de origem

eu pretendia fazer isso.
eu tinha uma vaga ideia das coisas.
fazíamos empréstimos nos bancos.
talvez eu fosse dotada de algum otimismo.
eu ia aos cafés atrás de um cigarro.
eu perambulava as faixas dos discos.
fazíamos reuniões nas livrarias.
talvez eu fosse dotada de algum otimismo.
eu usava aqueles sapatos.
eu comia sem desconfiança.
fazíamos de conta torpor e entusiasmo.
talvez eu fosse dotada de algum otimismo.
eu evitava olhar vitrines.
eu tomava suco ao invés de álcool.
fazíamos um debate equivocado.
talvez eu fosse dotada de algum otimismo.
adotaria algum otimismo. talvez.
algum.

os planos para a manhã de hoje

os planos para a manhã de hoje
enquanto se vê o noticiário
a xícara de café na seringa que corre as ruas
a torrada integral sem demarcação de terra
a taça de iogurte para crianças mortas a bala
os pedaços de fruta sobre mulheres violentadas
a fatia de queijo derretida na apologia à tortura
os planos para a manhã de hoje
enquanto se vê o noticiário

| poemas do livro Que culpa é essa? (Editora Patuá, 2018). |

Penélope Martins (Mogi das Cruzes, 1973) é escritora, narradora de histórias e articuladora em projetos de fomento da palavra escrita e falada. Pós-graduada em Direitos Humanos pela PUC-Campinas, dedica-se à formação de novos leitores desde 2006, produzindo conteúdo para encontros presenciais e plataformas digitais. Colabora com a articulação de reflexões sobre a leitura com a Editora do Brasil e outras instituições. Participou de coletivos de mulheres com poesia autoral e faz a curadoria do projeto Mulheres que Leem Mulheres, com ações em diversas instituições culturais como o Sesc. Entre suas obras publicadas estão Minha vida não é cor-de-rosa (2018), 1º lugar na categoria Literatura Juvenil do Prêmio Literário da Biblioteca Nacional 2019, e Que amores de sons! (2018), ambos pela Editora do Brasil, Poemas do jardim (2013), Editora Cortez, Quintalzinho (2014), Editora Bolacha Maria, e As aventuras de Pinóquio (2018), Panda Books. Integrou a antologia Sete, de poetas contemporâneas, organizada pela Editora Essencial, e é autora do livro de poesia Que culpa é essa? (2018), pela Editora Patuá.