três poemas de Taciana Oliveira

mapa

Minha avó, índia pataxó,
desconhece minha geografia
de estranhas ramificações;
grão de quintais sem muros,
filha de desertos e oceanos imaginários
No corpo que vesti
não criei assombrações
inverno, tesouras e agulhas.
Não se desata um nó
que não se costura.

Mas ainda não nasci,
estou na caixa.
Sou verbo
asma
máquina de escrever
partitura.

Se a noite é tão sem graça,
sem afagos e amores incontidos
A menina vem à porta
e me desperta no abismo

a César o que é de César

Arrisco-me a não glorificar a bosta
— muito menos eternizá-la.

Não sou mais um a celebrar
a unanimidade.

Na minha seara,
o ralo é a serventia da casa.

MCMLXX

Sagrado era o vento
revelando os fósseis da fotografia.
A cal das pedras grudava na pele,
a cidade era uma roda gigante.
Desenhar hexágonos doía nos olhos,
doía também a sopa quente
__________embrulhando o estômago,
os gritos, as festas de domingo.
No varal não se sustentava o silêncio.

Os gatos, como estátuas,
admiravam a violência dos fiéis.
Mamãe feliz em sua ausência.
Meus irmãos presos à matemática euclidiana.

Viver não era bacana,
não cabia dança,
beijo roubado.
Viver era apertado
e doía os dentes.

Taciana Oliveira é cineasta, coordena e publica na plataforma digital Mirada. Dirigiu A Descoberta do Mundo, um documentário sobre Clarice Lispector. Tem no prelo Coisa Perdida, livro de poemas.