acaso
Vejo a pomba da paz, no poeta
por trás do colarinho óxido da carga
horária de uma tarde. A substância
da sua casa não cabe em grades.
Há sempre a espera de algo mágico
que nos salve & nos congrace,
uma navalha que corte os dedos
de quem ligou o piloto automático.
Penso numa pessoa fora do lugar
que no refino estrondoso
do seu imo, busca no espelho a vida
dos seus devaneios [o sonho entende
a clareira de um rosto no espelho].
Há um operário de uma fábrica
de cobalto que pensa numa canção
de David Bowie e entre os ruídos
do metrô, lembra-se que na planície
alguém espera um disco voador.
tributo a Bloom
É dito que
todo poema
é uma desleitura
de outro
e todo poeta
quando chega
já é tardio.
O tempo
nunca me roubou
nada:
para o nome
que me conflagra,
cheguei tarde.
mutável
O tempo é apressado
e no escândalo
da perenidade,
o fruto das tuas mãos
é roubado.
O sonho não se desgasta.
Nos olhos de uma mulher
incide lugares, dunas
e o cheiro do mar.
Há coisas que não se pagam,
Não tem preço
a altura de um haicai,
não tem preço
a noite de ontem
e a garota que não voltou
[ela queimou-se como
se fosse sarça ardente].
Na solidão o vinho seco
é uma figura de linguagem
que delira como se fosse
a palavra vulcão.
O que nos devora
é a vontade de salvar
a melhor parte.
A vida como obra de arte
é o circulo da eternidade
que beija o transitório
que passa.
Tito Leite (Cícero Leilton) nasceu em Aurora-CE (1980). É autor do livro de poemas Digitais do Caos (Selo edith, 2016). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de ensino de Filosofia, com ênfase em Filosofia Política, Ética, Filosofia da Ciência e da Tecnologia. É curador da revista gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais. Aurora de Cedro (7letras, 2019) é o seu segundo livro.