eleição
o anel, a flor, o poema
tudo isso tão bonito
contudo, o que ecoa mesmo
no fundo mais fundo da alma
são as palavras-lâmina da mãe
sussurradas no quarto ao lado
naquela madrugada de setembro
elegendo-a
para sempre
a menina mais feia da casa
sobre o que dói
o menino sírio encontrado morto na praia
o olhar da moça vendendo paçoca no sinal
a loucura do meu irmão
a cicatriz atravessando meu ventre
meu desatinado sim
seu peremptório não
os livros há meses encaixotados
minhas pernas bambas
o sol encandeando meus olhos
quando tudo é noite
biografema
quando acerto na textura
aroma e sabor
do risoto de shimeji
para o almoço de domingo
sou feliz
salvação
a poesia não me salva
da bala do revólver
nem do açodar do tempo
que arruína o corpo
no entanto
a poesia
e somente ela
me salva
plenitude
perecerei de amor
e em silêncio
numa manhã chuvosa
anotando um poema
grafarão em minha lápide:
viveu em chamas
Mônica Menezes nasceu em Lagarto-SE e mora em Salvador. Professora de literatura brasileira do Instituto de Letras da UFBA, lançou em 2010, pela P55 Edições-BA, o volume de poemas Estranhamentos. Antes, em 2007, apareceu na revista EntreLivros uma coleção de poemas inéditos de sua autoria, sob o título “A poeta relutante”. Participou das coletâneas Mulheres, Poetas & Baianas, em 2018, pela Editora Caramurê, do livro virtual editado pela Voo Audiovisual, Profundanças 3, e da revista Organismo nº IX, ambos em 2019.