Para Paul Celan
Senhor no fim do horizonte,
Estamos nos dois extremos da ponte
E vago na tua direção,
Mas jamais chegarei ao teu lado,
Se a diáspora é uma travessia sem fim,
Na eterna marcha do Rio Sena
Em busca da morada.
Apenas o curso do rio vai unir
Tudo que o vento dispersa e a guerra destrói
Nas trincheiras de areia e teias de aranha.
Apenas as legiões do rio marcham
No tempo da métrica
E na hora do sempre e do nunca mais,
Alcançando o eterno florescer.
Ó senhor,
O curso do rio é uma lagarta que rasteja
Dentro da métrica e fora do tempo,
Chegando mais longe que o soldado
A rastejar no front da guerra.
Ó senhor,
Olho para o curso do rio e vejo,
Além da minha imagem no espelho,
As botas do meu pai
E os cigarros da minha avó,
A garrafa de vinho que meu tio bebia
E levava debaixo do braço,
Como se fosse o gato de estimação.
Vejo a correnteza levar os restos do caderno
Que eu usava na escola.
Vejo a infância em Czernowitz
E o pente que arrumava o cabelo da minha mãe.
Senhor,
Vejo no curso do rio toda a minha família,
Vagando em busca da terra prometida.
Eu saltarei dessa ponte
E abraçarei e beijarei todos eles.
Fernando Maroja Silveira nasceu em Belém do Pará e escreveu os livros Cinzas (Paka Tatu) e O escravo do vazio (Editora Penalux). Publicou nas revistas Zunai, Subversa, Mallarmargens e Caliban.