I
educar os olhos; cegá-los
aprender tudo pelo mar, que espelha o céu — que não tem fim
deus é a terceira margem
a partícula de sal, o grão de areia
os chineses colocavam pérolas nas bocas de seus mortos, para que fizessem boa travessia
no mesmo mar de eternamente, da pérola de eternamente, o barco não cessa de partir
há no méxico uma espécie de borboleta que tem asas transparentes; chama-se “greta oto”
tudo terá valido a pena se antes de morrer eu puder ver um segundo de mundo pela asa de uma borboleta
II
vento sobre vento: é o que diz o i ching, hexagrama 57
li em algum lugar que o i ching está entre os livros mais antigos da humanidade, tendo pelo menos três mil anos de existência
a libélula some do meu campo de vista
uma das hipóteses sobre a origem do nome “libélula” é de que ele viria do termo latino “liber”. também daí surgiu “livro”
vento sobre vento
na palavra, o silêncio: amar e morrer
o ideal de um livro é que seja escrito numa asa
III
o fim de uma estação
as janelas semiabertas, as casas. a chuva, que parou há pouco
o céu nascendo e morrendo tantas vezes à superfície de uma poça d’água, na calçada
os espelhos
a promessa de dias novos orientando aquele que atravessa uma cidade ou um deserto
os rostos, os rastros
as cinzas dos nossos mortos espargidas
o pó que se espalha no voo da mariposa
Mar Becker (Marceli Andresa Becker) nasceu em Passo Fundo (RS) e atualmente mora em São Paulo (SP). Tem formação em Filosofia (UPF) e Especialização em Epistemologia e Metafísica (UFFS). Ainda não publicou livro.