O pássaro sobre o galho,
hipnotizado pelo gato,
pela serpente, preso
como se houvesse visgo
sobre o ramo comum
Uma ave sem voo,
pronta ao voo,
os olhos esbugalhados
de medo do ofídio, do felino
que nunca existiram.
girafa
I
À jovem girafa foge o caminho
É cercada pelo bando de leões
Está presa entre acácias e garras
É visível o desespero, medo,
a antecipação da desgraça
em seus doces olhos negros
Logo, são muitos os ferimentos
Saltam sobre ela os predadores
treinados ao abate
A girafa exausta cai
Suas manchas inundam
de sangue a savana
II
Tinha cinco anos
quando assisti
a um atropelamento
São iguais as cenas
O velho sob o ônibus,
suas peras, laranjas,
os cabelos brancos do velho
e a pele da girafa, vermelhos,
mortos na savana-asfalto
III
A girafa morta e o atropelado,
agora silenciosos, em esquecimento,
revelam o destino de quase tudo
O destino
deste poema.
tropel
Os cavalos soltos no sangue, na garganta,
incontidos, o rebater dos cascos em seixos,
como dançarinos de flamenco, os cavalos
vêm de longe, de onde tudo se entrega
à extensão do que é extremo, suor,
e nunca se quebra, sim, os cavalos
correm do longe ao longe, lugar de corpos
reais, rudes e comestíveis ao gosto do desejo
Os cavalos sobem à boca, soltos, suas crinas
deixam rastros, mas chegam à boca e na boca
o passo emperra, os cavalos são então um som
apagado, oco, nenhum som, são pedra.
corvos
Não via os corvos,
mas eram corvos,
prendendo o tempo
E eu criava pombos
Quando você saiu,
as sombras
tinham penas negras
e ficaram pela casa,
pela garganta,
as suas penas
Ontem entendi
e acendi a luz.
desapego
I
O vagão desenfreado atravessa meia cidade,
mata pais e seus filhos, descemos os olhos
e nos voltamos à clarividência da postagem
desse último profeta em triste rede mundial
Claro, não seremos cegos, lamentaremos
um pouco, bem mais talvez do que insetos,
cruzando antenas por outros esmagados
em combate, e ainda assim continuam,
e ainda assim continuaremos,
porque nenhuma rota é segura,
e os livros, os ansiolíticos não salvam
II
A despeito das lanças, dos desastres naturais,
o duque de Mântua, sem filhos e parentes,
pagou o próprio resgate, livrou-se do dever
de salvar dinastia, gravar seu nome em pendões,
portões e vitrais: sentava-se leve, com seu pêssego,
seu sonho, à janela da estação
Era só o vento que contava, era o que comia.
| poemas do livro Fundamentos de ventilação e apneia (Editora Patuá, 2019), saiba mais no [link]. |
Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro. Vive em Brasília. É autor de Incompleto movimento (José Olympio Editora, 2011), de Sem passagem para Barcelona (José Olympio Editora, 2015, finalista do prêmio APCA de Literatura — Poesia de 2015) e de Fundamentos de ventilação e apneia (Editora Patuá, 2019). Integra, entre outras, as antologias Outras ruminações (Dobra editorial, 2014), Hiperconexões (Editora Patuá, 2014), Pássaro liberto (Scortecci Editora, 2015), Pessoa — Littérature brésilienne contemporaine (Revista Pessoa, edition spéciale — Salon du Livre de Paris, 2015) e Escriptonita (Editora Patuá, 2016). Tem poemas publicados em portais, blogs e sítios da internet e em revistas e jornais impressos.